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[PROSA_Oficina de textos_UFMG 2011] Salinha para resolução de questões abertas de Literatura (vestibular UFMG 2011) . Informações: emaildoaloisio@yahoo.com.br

24 de novembro de 2007

Aula_Clara dos Anjos (Lima Barreto)

Clara dos Anjos (Lima Barreto)

Prof. aloisio

  • Pré-Modernismo: os autores ainda estão presos à estética e aos modelos do Realismo/Naturalismo, mas se introduz duas novidades:
    1. Realismo (universalizante) → Pré-Modernismo (interesse pela realidade brasileira) → Obras de nítido caráter de denúncia social. Lima Barreto, especificamente, faz uma análise das populações suburbanas do Rio de Janeiro.
    2. Busca de uma linguagem mais simples e coloquial: Barreto escreve com simplicidade, transcreve, muitas vezes, fielmente o modo de falar dos marginalizados e suas expressões típicas (influência para os Modernistas).
  • Características gerais da obra:
    1. simplicidade de linguagem
    2. aproximação com a fala cotidiana
    3. ironia
    4. moralismo explícito
    5. tom panfletário: denúncia do preconceito contra negros e mulatos
  • Figura de Clara dos Anjos: argumento vivo para embasar a denúncia da discriminação em relação aos suburbanos, os malefícios da alienação feminina, os problemas causados pela criação familiar super-protetora, a degradação a que os negros e mulatos se submetem devido à insensibilidade dos brancos.
  • Fatalismo → generalização → caráter alegórico da figura de Clara dos Anjos
  • O narrador interrompe a narração seguidas vezes para a fixação de tipos individuais suburbanos : matéria-prima da narrativa
  • Epígrafe do livro: caráter histórico do abuso sexual contra as mulheres de cor → tragicidade, fatalismo, imutabilidade de um comportamento social condenável→ visão pessimista

Roteiro de leitura

· Joaquim dos Anjos, pai de Clara: “simplicidade de nascimento, origem e condição”

· Retrato crítico e sarcástico dos subúrbio: presença dos “bíblias”, os protestantes, que chegam até o subúrbio e arrebanham os menos favorecidos, que anseiam por algum tipo de escape da realidade cruel em que vivem. Há uma ironia em relação ao sincretismo religioso, pois os fiéis buscam alívio e conforto em outras religiões, mas não deixam de batizar seus filhos na igreja católica.

· Clara dos Anjos: garota com dezessete anos e uma criação recatada e super-protetora

· Marramaque: semi-paralítico de alguma instrução intelectual

· Lafões: guarda de obras públicas, português de nascimento, de maneiras simples, que irá introduzir a figura do “mestre do violão e da modinha”, Cassi Jones

· Cassi Jones: o insensível deflorador de virgens, é descrito de forma agressiva e sarcástica pelo narrador, que sempre ressalta sua falsidade e suas artimanhas para conquistar as virgens indefesas, sempre garotas suburbanas, negras e mulatas

· Mãe de Cassi: preconceituosa, defende e ignora as proezas do filho, para que ele não se case com uma analfabeta ou costureira mulata.

· O pai de Cassi repugna-lhe totalmente e, mais adiante na narrativa, expulsará o filho de casa.

· Caso de Nair, que vinha receber lições de música com a irmã de Cassi. Ele a seduziu com uma carta reproduzida de um modelo desse tipo de missiva, tomada de um poema de Leonardo Flores, poeta beberrão.

· Nair é seduzida, engravida, sua mãe se suicida com lisol, o que é noticiado em todos os jornais. A má fama de Cassi espalha-se.

· O narrador, além de construir a imagem de Cassi como um sedutor insensível, ironiza seus métodos de conquista ao transcrever trechos de sua carta mentirosa, com a ortografia errada e o uso de clichês românticos.

· Crítica ao Amor como escape para as mulheres do subúrbio, sem perspectivas de vida.

· Narrador considera Marramaque um homem capaz de julgar Cassi, devido a sua convivência com literatos, poetas e escritores.

· A visão de Marramaque sobre os marginalizados é sempre corroborada pelo narrador.

· Clara cresce mal-acostumada ao “simplório sentimentalismo amoroso” das músicas populares.

· Joaquim dos Anjos permite que Cassi venha tocar no aniversário da filha. Ao chegar, ele causa alvoroço nas moças.

· Crítica à inaptidão de Cassi e seus trejeitos ensaiados de conquistador, como o fato de revirar os olhos dramaticamente quando dedilha, de maneira tosca, seu violão.

· Engrácia, mãe de Clara, finalmente se manifesta e diz ter achado indecente a forma de Cassi tocar, e decide proibir que o moço venha em sua casa novamente, para desespero de Clara.

· Crítica a Engrácia, que recebera boa instrução, e esquecera o que tinha estudado depois de casada.

· Crítica às modinhas e ao idealismo romântico forjado por elas no espírito de Clara = alienação feminina.

· Cassi retorna à casa de Clara, mas é recebido com frieza por Joaquim

· Papéis e documentos sobre as “atuações” de Cassi circulavam nas mãos de delegados na forma de um caderno

· Descrição detalhada da pobreza suburbana

· Descrição naturalista = coexistência de uma visão, ao mesmo tempo, irônica e solidária em relação ao suburbano

· Os próprios juízes manifestam seu preconceito por acharem um absurdo o casamento forçado, por lei, de Cassi com suas vítimas, “devido à diferença de educação, de nascimento de cor, de instrução”.

· Cassi vai se valer de Menezes, um homem de setenta anos, com sonhos frustrados de engenheiro, alcoólatra e profundamente honesto. Ele está tratando dos dentes de Clara, e Cassi pede-lhe que encomende um poema ao amalucado poeta Flores.

· Imagem de Castorina, esposa de Flores: a esposa é vista de forma condescendente pelo narrador, pelo fato de ser negra → narrativa tendenciosa.

· Flores fica indignado com o pedido de Menezes de um poema encomendado → Figura da Arte: inatingível conciliação entre a vida e a obra de arte

· O narrador defende claramente a igualdade de sexos, ao criticar a alienação feminina.

· Revelação de quem espalha o caderno sobre Cassi: oficial do exército, marido de Nair, filha da suicida.

· Menezes faz os versos ele mesmo e os entrega a Cassi. O conquistador pede-lhe que entregue os versos e uma carta a Clara, e oferece-lhe algum dinheiro: o narrador explicita como os indivíduos se rebaixam por força das circunstâncias (falta de dinheiro, convivência com tipos corruptos, falta de instrução corrompem Menezes).

· Menezes fica sendo o intermediário entre Cassi e Clara. Através de D.Margarida, amiga da família, Engrácia, mãe de Clara, toma conhecimento da “relação” entre os dois.

· Joaquim, estranhamente, não se opõe ao enlace de Clara com Cassi. Marramaque continua a criticar ferozmente Cassi, e esse trama seu assassinato.

· Marramaque é morto a pauladas e alçado a herói pelo narrador.

· Menezes, ao saber do assassinato, sente-se quase um cúmplice, pois este passara a Cassi as cartas em que Clara alertava-o da oposição de Marramaque à “união” dos dois.

· Cassi vende seus galos de briga e guarda o dinheiro para o caso de uma fuga

· Na cidade, Cassi encontra uma negra que havia sido sua primeira vítima, e fora expulsa da casa do sedutor, onde trabalhava, em adiantado estado de gravidez. Ela o humilha e revela que seu filho, com apenas dez anos, já se encontra detido (transcrição da fala popular nos diálogos).

· Clara analisa o próprio comportamento e amargura-se por ter se dado a Cassi e engravidado.

· Semi-demência de Menezes e sua morte ao lado do poeta Flores.

· Dr.Praxedes, um advogado simplório, revela eventualmente que Cassi mudara-se para São Paulo.

· D.Margarida, Engrácia e Clara vão falar com a mãe de Cassi, que as humilha.

· Ao final, acentua-se o caráter trágico da situação social vivida pela família de Clara. O narrador usa um tom moralista e cria um ambiente paranóico de perseguição contra os negros e mulatos, sempre vítimas do preconceito e da humilhação.

17 de novembro de 2007

Trechos selecionados de Jóias de família (Zulmira Ribeiro tavares)

Maria Bráulia Munhoz, no nono andar de seu apartamento no Itaim Bibi, prepara-se para o almoço. A mesa está posta para duas pessoas: ela e o sobrinho. A toalha sobre a mesa redonda, pequena, é de linho branco adamascado e no centro há um lago também redondo e pequeno, de espelho. Sobre a superfície de espelho pousa um cisne de Murano.

Maria Bráulia – de velhice definida mas idade não declarada, com movimentos seguros e rápidos, acompanhados de tapinhas, faz aderir ao rosto o seu segundo rosto, o “social”, de pele entre rosa e o marfim, boca e face rosadas. Os cílios com rímel espevitam o azul dos olhos e atiçam o amarelo pintado dos cabelos. Com o rosto social mais uma vez encenado, o outro, o estritamente particular, recua, como acontece todas as manhãs, e é esquecido imediatamente por sua dona. Um rosto que de tão pouco visto por terceiros adquire a mesma modéstia do corpo murcho, e assim, trazê-lo á luz do dia, sustentá-lo sobre o pescoço como se fosse a coisa mais natural do mundo ( o que vem aliás exatamente a ser), exibi-lo para algum outro, ainda que muito íntimo, como o sobrinho, lhe pareceria um ao da mais absoluta e indesculpável falta de pudor.

Julião Munhoz finalmente chama o elevador e logo mais se encontra pisando terra firme, o solo do Itaim-Bibi. Nove andares o separam do apartamento 91. longe está da pequena mesa redonda paralisada no ar, lá no alto; do cisne de Murano no centro, deslizando tão velozmente através dos muitos anos de fartura vividos por Maria Bráulia Munhoz, com o majestoso porte perfilando-se na superfície polida do lago de espelho, que nem parece sair do lugar. Longe está Maria Preta, que ora olha de baixo para cima, ora de cima para baixo, conforme as circunstâncias. Por isso seu rosto não se memoriza com facilidade e até nas fotografias dos álbuns da família Munhoz tem-se a dificuldade em fixá-lo (...).

As mentiras de Maria Bráulia, como as de todos bem-sucedidos e experimentados mentirosos, geralmente não são formadas de uma só peça, contêm vários elementos, e sob esse aspecto pode-se observar nelas alguma semelhança com os rubis falsos ou semi-falsos em montagens do tipo doublets e triplets.

(...) os que sofrem a ação da mentira, tanto quanto os que as inventam, mentem também para si mesmos e defendem-se dos efeitos devastadores da verdade inoculando em si próprios, regularmente, pequenas doses de ilusão.

Por que não usa a cópia, o anel com o rubi de imitação? Ah, bem, o anel de imitação nunca existira! Havia sido a maneira que o Munhoz arranjara para proteger uma gema tão rara. Acaso ela era mulher de andar com pedrinha de vidro colorido no dedo? Tinha graça! — E se com o correr dos anos a história sobre o anel de imitação falso caiu completamente no esquecimento, a existência de um anel verdadeiro com um puríssimo rubi sangue-de-pombo engastado, nunca. Tornou-se aos poucos uma gema lendária na crônica sobre as jóias da família.

As gemas raras devem ser engastadas nas jóias com o mesmo cuidado com que estas se engastam na linhagem de uma família, havia dito ainda o joalheiro Marcel para seus anfitriões um dia — quando jantavam apenas os três ao redor da pequena mesa redonda — olhando alternadamente do juiz Munhoz para o cisne de Murano.

É muito tarde. Várias cabeças rolaram. Umas fora da vida, outras nos travesseiros. Só a do cisne de Murano permanece erguida. A madrugada chega. As cortinas estão afastadas e de fora avança a luz branquicenta descendo na sala. Empresta ao cisne de Murano a qualidade macia do que é de carne e de penas ao mesmo tempo que lhe rouba a aparência de vida emprestada; tão descorado se acha quanto um frango de pescoço torcido sem pinga de sangue. Estarrece por afrontar as leias da natureza e os costumes dos homens. Um defuntinho de pé.

10 de novembro de 2007

trechos escolhidos de "Manuelzão"

O universo popular em Manuelzão

· Utilização de refrões, ditados, quadras, versos populares e da sabedoria do sertão mineiro

· Referência ao romanceiro de cordel: Romanço do Boi Bonito, Décima do Boi e do Cavalo

“E... era uma vez uma vaca Vitória: caiu no buraco — e começa outra estória... e era uma vez uma vaca Tereza: saiu do buraco — e a estória era a mesma...”

“Eh mundão! Quem me mata é deus, quem me come é o chão!”

“Alegria do pobre é um dia só: uma libra de carne e um mocotó.”

“Compadre, veja. Mais antes trabalhar domingo do que furtar segunda-feira. Mesmo digo. Aqui a gente olha a garapa ainda na cana.”

“— E a vida, seu Chico?, alguém pergunta, e ele responde: ‘— É isto que se sabe: é consolo, é desgosto, é desgosto, é consolo — é da casca, é do miolo.”

“Suspiro rompe parede/ rompe peito acautelado/ também rompe coração/ trancado e acadeado”

“Eu subi pro céu arriba/ Numa linha de pescar/ Fui perguntar Nossa Senhora/ se é pecado namorar”

“Travessei o São Francisco/ Montado numa cabaça/ Arriscando a minha vida/ Por um gole de cachaça”

“Esse boi que hei, é um Boi Bonito: muito branco ele é, fubá da alma do milho; do corvo o mais diferente, o mais perto do polvilho. Dos chifres, ele é pinheiro, quase nada torquesado. O berro é uma lindeza, o rasto bem encalçado. Nos verdes onde ele pasta, cantam muitos passarinhos. Das aguadas onde bebe, só se bebe com carinho. Muito bom vaqueiro é morto, por ter ele frenteado. Tantos que chegaram perto, tantos desaparecidos. Ele fica em pé e fala, melhor não se ter ouvido...”

ESTÓRIAS

“Festa devia de ser assim: o risonho termo e começo de tudo, a gente desmanchando tudo, até o feito com seu suor do trabalho de sempre; e sem precisar, depois de tornar a refazer. Que nem com as estórias contadas. Chegava na hora, a estória alumiava e se acabava. Saía por fim fundo, deixava um buraco.”

“As estórias — tinham amarugem e docice. A gente escutava, se esquecia de coisas que não sabia”.

“Mas, tinha lá alguma graça aquela estória de amor nessas gramas ressequidas, de um velhão no burro baio com uma bruaca assunga-a-roupa?”

“Até as mulheres choravam. Leonísia suavemente, Joana Xaviel de certo chorava. Essa estória ela não sabia, e nunca tinha escutado. Essa estória ela não contava. O Velho Camilo que amava. Estória !”

Epígrafe:

“O tear

o tear

o tear

o tear

quando pega a tecer

vai até o amanhecer

quando pega

a tecer

vai até ao

amanhecer...”

(Batuque dos Gerais)