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_Aloisio
_São Bernardo (Graciliano Ramos)
FAZENDA SÃO BERNARDO
Para se tornar proprietário e patrão, Paulo Honório luta com as armas que a própria sociedade capitalista lhe deu: o individualismo e a necessidade de acumulação de capital. Como é incapaz de estabelecer relações afetivas, já que todas suas relações com o outro são mediadas pela lógica do lucro, imprime em si a marca maior do meio em que cresceu e viveu, a desigualdade. Desprezado pelos pais, tido como um refugo — ele mesmo afirma que os pais deviam ter suas razões para não querê-lo —, criado por uma humilde doceira, Paulo Honório vence sozinho, pois, depois de ficar mais de três anos preso por esfaquear arbitrariamente um sujeito que se relacionara com uma mulher com quem ele, Paulo, estava envolvido, aprende a ler, escrever, fazer contas, tira título de eleitor e adquire empréstimos, para comprar mercadorias e negociar pelo sertão.
Ganha dinheiro, cobrando dívidas com uma violência persuasiva, e se apossa das terras de São Bernardo. Para alcançar seus objetivos, se vale de instituições sociais como a igreja, os cartórios, os tribunais e o governo, já que o narrador tem em seu auxílio o advogado Nogueira, o jornalista Gondim, o juiz Magalhães e até o Padre Silvestre, com quem negocia a construção de uma igreja na fazenda. Paulo afirma crer em Deus, como um pagador de seus funcionários explorados e castigador daqueles que o furtaram, numa típica atitude de vítima. Posteriormente, construirá a escola, um claro indício do progresso material que deseja implementar
A fazenda São Bernardo repete as mesmas regras sociais e o modelo de desenvolvimento das cidades, marcadas pelo capitalismo industrial, no entanto, com vistas a dar lucro somente a um indivíduo, o próprio narrador. Através das inovações tecnológicas introduzidas na fazenda e de vários empreendimentos, percebe-se como ela simboliza a penetração dos elementos capitalistas no campo brasileiro. Isso quer dizer que Paulo Honório quer mais produção, mais lucro, mais acumulação de capital, o que, consequentemente, gerará mais desigualdade, menos distribuição de renda, e mais violência.
Graciliano Ramos escreve uma literatura regionalista crítica, e ao compor São Bernardo, e principalmente ao construir um autor-narrador com tamanha complexidade psicológica, demonstra como os aspectos políticos e sociais são, muitas vezes, quase indistinguíveis dos pessoais e humanos.
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_Aloisio
_São Bernardo (Graciliano Ramos)
PAULO HONÓRIO E MADALENA
As relações reificadas que Paulo Honório mantém com os indivíduos o levam à autodestruição, por causa da impossibilidade de mudar a si mesmo, de se transformar numa pessoa capaz de manifestar afeto, principalmente com a esposa, inalcançável no momento da escrita da mesma maneira que quando viva. A profundidade analítica de Paulo parte do contexto sócio-econômico para atingir o complexo social. Percebe-se, então, com absorveu, ao longo de sua ascensão, toda a agressividade do sistema de competição típico do mundo capitalista.
Paulo, ao final da narrativa, diz que não adianta se iludir, pois sabe que, caso voltasse e pudesse mudar a maneira como agia, principalmente com a esposa, não o faria. Assim, nem Paulo Honório nem Madalena conseguem se realizar humanamente, pois, ao mesmo tempo
Madalena, uma criatura solidária, emotiva, sensível, com dedos longos e mãos finas e delicadas, é a antítese desse narrador que se vê com deformidades monstruosas, com mãos enormes, cabeludas e calejadas — é interessante ressaltar que os contrastes são tanto físicos quanto psicológicos. Tão separados e contrastantes, têm, contudo, um fator comum: o fracasso. À medida
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_São Bernardo (Graciliano Ramos)
VIOLÊNCIA
Segundo o crítico Antônio Cândido, há dois tipos de violência no romance São Bernardo. A violência contra homens e o mundo, que resulta na conquista da fazenda — o próprio Paulo Honório diz que seu maior fito na vida era se apossar das terras de São Bernardo —, e a contra ele próprio, que resulta no livro. A violência é o suporte de seu modo de ser, e seu desejo de propriedade a legitima e justifica o extermínio sumário de vizinhos incômodos, como o Mendonça, a corrupção de jornalistas, como o Costa Brito, e a brutalização dos funcionários, como o Marciano.
A aquisição de São Bernardo aparentemente concretiza sua vitória sobre os obstáculos da origem humilde e do passado de subordinação, que são superados ou esmagados. Mas a violência voltada para dentro de si, motivada pelo ciúme que sente por Madalena, causa sua autodestruição, quando finalmente percebe a vacuidade de suas realizações materiais. Paulo sente uma necessidade nova, escrever, e dela surge uma nova construção: o livro que conta a sua derrota, através do qual terá uma visão ordenada de si e de suas atitudes.
No momento em que se conhece pela narrativa, destrói-se enquanto homem de propriedade. A narrativa é violenta para ele mesmo porque é obrigado a encarar a sua incapacidade de mudar tanto o destino de Madalena quanto o seu. Sabe que se voltasse atrás, agiria da mesma forma, o que transforma Madalena e Paulo Honório em um casal trágico: o fim deles dois é imutável. Madalena está destinada ao fracasso, por não conseguir mudar as estruturas sociais da fazenda; Paulo, à solidão e ao vazio existencial, já que possuir São Bernardo não tem o mesmo valor de antes.
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_Aloisio
_São Bernardo (Graciliano Ramos)
AS MÃOS E O CIÚME DE PAULO HONÓRIO
O sentimento de propriedade despersonaliza o narrador-personagem e o faz ver-se constantemente como um monstro. Seu ciúme doentio advém do fato de não conseguir se apossar de Madalena, como fazia com todos ao seu redor. A esposa era insubmissa e tinha um espírito solidário, ao contrário do egoísta Paulo Honório. Por se sentir incapaz de dominar a esposa, e por crer que enquanto constrói seu capital, ela o destrói e o dissipa, ao ajudar os funcionários e pedir dinheiro para a escola, acusa-a de ser intelectual, de não crer em Deus e de ser comunista.
Pouco importa a verdade em relação a Madalena, já que o leitor se encontra junto aos pensamentos do narrador, e não aos da esposa. Por isso, é necessário pensar no que teria motivado tais reflexões de Paulo. Madalena era considerada por ele como intelectual porque tinha poder de argumentação; deveria não ter religião, já que era uma mulher livre e libertária; comunista, pois não se preocupava em juntar capital, como ele próprio fazia. O ciúme é, então, decorrente de sua fragilidade íntima, pois teria que subjugar a mulher de alguma maneira. Acusando-a de traição, iria se livrar do peso de ter de admitir que nunca a dominaria.
Mas a doença do ciúme o faz enxergar-se como uma criatura animalesca. Sempre quando se refere a si, fala de seu aspecto rude, das sobrancelhas espessas, da pele queimada de sol, das mãos calejadas e grossas, feito cascos de cavalo. Já Madalena tem as mãos finas, delicadas, cabelos loiros, olhos azuis, é quase uma figura angelical. O contraste físico aponta para as diferenças psicológicas entre os dois, e denota como Paulo projeta para sua aparência os tormentos que sente por saber-se responsável pelo suicídio de Madalena.
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_Aloisio
_A alma encantadora das ruas (João do Rio)
O CRONISTA QUE ENFEITA A MISÉRIA
João do Rio é o autor transeunte, que faz da observação a base de seu ofício, para refletir sobre a história e a cultura, sobre os padrões de sociabilidade e o início da modernidade brasileira. Ao fazer espécies de closes fotográficos das ruas com seus textos, sonda as formas de vida inusitadas instauradas pelo estado de decadência da população pobre, no Rio de Janeiro, em meio à modernização da vida urbana.
Os leitores de João do Rio tinham que se sentir impactados por esses modos de vida marginais, como os de ciganos, trapeiros, catadores de selo, mendigos, prostitutas, catraieiros, ambulantes e vendedores de livros baratos, por exemplo. Para tanto, João do Rio se valia de um estilo “art noveau” de escrita, segundo enfatiza o crítico José Paulo Paes. É a arte nova da belle époque, o estilo enfeitado e ornamental que chega ao Brasil através de revistas e artigos manufaturados importados, no início do século XX. João do Rio tinha um refinamento mundano, escrevia crônicas sociais e preocupava-se em vestir-se elegantemente, como um típico dândi. Da mesma maneira, seu estilo literário também será enfeitado, rebuscado, com gosto pela ornamentação vocabular e pelas comparações metafóricas. Porém, ao invés de tratar do luxo, em A alma encantadora das ruas, trata do que a elite aburguesada ignora: da população marginalizada.
Nas crônicas de João do Rio, nota-se uma ambigüidade entre o gosto decadentista e seu espírito cosmopolita. Isso quer dizer que há um gosto pelo aspecto grotesco das ruas, uma fascinação pelos miseráveis e seus modos de vida, e ao mesmo tempo, a postura de quem busca ascensão social e integração à cultura universal. João do Rio é um dândi de maneiras requintadas, interessado em retratar para a burguesia e o povo carioca as contradições entre a urbanização da cidade e o aumento das classes marginalizadas.