Todo material publicado no blog Literatura2pontos deve ser compartilhado.

[PROSA_Oficina de textos_UFMG 2011] Salinha para resolução de questões abertas de Literatura (vestibular UFMG 2011) . Informações: emaildoaloisio@yahoo.com.br

21 de maio de 2006

O monstro_Sérgio Sant´anna: Roteiro de leitura

O monstro (Sérgio Sant´anna)
aloisio andrade

1. Pós-modernismo: ecletismo, pluralidade, fragmentos de informação
2. individualismo pós-moderno: satisfação imediata, hedonismo, crise de valores
3. sociedades pós-industriais: indivíduo sincrético, sua natureza é confusa, indefinida, plural, não-totalizante
4. pastiche: imitação irônica, recuperação de gêneros literários, colagem
Nos três contos, usa-se a narração como uma forma de se reviver o amor, que, no entanto, é inatingível, incompleto, ligado à transcendência, e que se realiza no ato da narração, mas que se perde quando finda o texto
Ironia: narrar = amar : efemeridade, transitoriedade, incompletude = “Dorothy disse que todas as histórias são pela metade” (As cartas não mentem jamais)

Uma carta

Beatriz escreve uma carta para Carlos onde irá reviver a experiência sexual fugaz que tiveram
Ela é uma engenheira de uma cidade pequena, ele é secretário do governo, casado, em visita profissional
A construção da carta se dará como o processo de uma relação entre estranhos: descobrimento, desvendamento de impulsos carnais, clímax e afastamento
Para Beatriz, seus sentimentos “são como as obras que necessita edificar”
Propósito da carta: “Porque é nesta escrita e construção – e esta sua razão maior – que as coisas parecem ter acontecido, tornam-se reais e vivas. Escrevo para repetir, viver”.
A carta como um prolongamento do encontro e o encontro como um “pretexto” para a carta (complementaridade)
Se houvesse o gozo, não haveria a carta, e depois o vazio (descontinuidade)
Final: “Seja ou não violada esta carta, estará aqui esta mulher abrindo as pernas para o amante (...) esta pornografia como uma construção assinada também pelo corpo...”.

O monstro

Antenor Lott Marçal, 45 anos, professor universitário é preso por assassinato e estupro de Frederica Stucker, 20 anos, portadora de uma grave deficiência visual. Foi auxiliado (ou induzido) pela amante Marieta de Castro, 34 anos, que se suicidou ao saber que Antenor se entregaria à polícia.
Pastiche: reportagem policial = objetividade, levantamento de informações, sensacionalismo (revista Flagrante)
Discussão das formas grotescas e agressivas como o amor e o desejo sexual se manifestam
Na entrevista, Antenor revela a personalidade dominadora de Marieta
“Marieta queria verdadeiramente, as pessoas que a interessavam e a atraíam. A diferença, aquilo que Marieta não possuía ou atribuía a outrem, a exasperava”.
Ela queria desmistificar as pessoas, torná-las seres comuns
Encontro de Marieta com Frederica na Lagoa Rodrigo de Freitas, uma possível sedução
Antenor era uma espécie de escravo da amante que não se rebelava
Marieta queria transcender os limites da experiência física, ultrapassando o sexo
Voyerismo: ciúmes de Marieta, pois Antenor devora com os olhos Frederica, que já se encontra no apartamento da amante. Marieta coloca calmantes na bebida da garota. Enquanto ambos seviciam a garota, ela acorda. Eles a drogam com éter e cocaína, e a asfixiam com uma almofada. Frederica morre.
Antenor consuma o ato para satisfazer uma “voracidade sem limites” da amante– Marieta está novamente no controle da situação.
Fantasias de amor com Frederica para amenizar a violência do ato
Sexualidade: “crueldade e amor”
Sensação de aniquilamento depois do ato = desejo extinto, novamente revivido na memória, durante a entrevista = modo de Antenor possuí-la outra vez e protegê-la de Marieta
Eles carregam o corpo até um lugar ermo.
“Marieta não suportava a frustração. Havia uma espécie de pureza infantil em sua amoralidade. O fato é que se você tiver a psicologia de uma criança em um adulto dotado de força e inteligência, eis o monstro”
Antenor se entrega à polícia para sentir-se livre para amar Frederica e espera por uma transcendência, onde possa talvez encontrá-la
Força selvagem da sexualidade e do desejo como a natureza da criação

As cartas não mentem jamais

Narrativa em abismo: uma narrativa dentro de outra = metalinguagem
O pianista Antônio Flores e uma jovem francesa de 16 anos, Michelle, conversam após uma relação, no quarto de hotel onde Antônio está hospedado
A discussão e a curiosidade sobre a iniciação sexual de ambos e a menção da figura de Madame Zenaide
O pianista carioca está em Chicago, com uma francesa, falando inglês, conhecerá uma psicanalista que mora em Las Vegas, e irá falar com ela, pelo telefone, de Tóquio (Globalização)
Antônio fala sobre sua infância e suas composições a Michelle (Sinfonia da bola nº1, Sonata Atlântica) = composições de Flores interpretadas até pelo famoso maestro Karajan = mistura de elementos reais e ficcionais
Amor por Estela e a relação com a Sonata Atlântica. A traição da garota com outro garota da rua em que moravam: “queria que o outro rapaz possuísse Estela ali às minhas vistas, para que o meu aniquilamento fosse completo e definitivo”.
Conversa telefônica com René, pai de Michelle, e Dorothy, a psicanalista de Las Vegas
Gravação em fita da história sobre Madame Zenaide, para que Dorothy pudesse escutar: levado pela empregada, Antônio vai até ela para curar sua depressão, através da leitura de seu destino nas cartas
Nas cartas, a visão da morte, do sucesso e das mulheres: Estela, uma dama negra e uma de cabelos ruivos.
Madame Zenaide muda o destino de Antônio, iniciando-o sexualmente. O avô de Antônio fora um compositor de marchinhas de carnaval, que morrera no sótão do casarão em que moravam, embriagado de lança-perfume, pois sua mulher não o deixara sair para o carnaval. Zenaide, simbolicamente, livra Antônio de seguir o mesmo caminho de auto-destruição do avô.
Relação sexual de Antônio com a garota Estela : satisfação de um impulso sexual que logo se extingue, para se perpetuar na memória
Antônio Flores deixa Michelle dormindo no quarto de hotel: “o ato terminou e ele deve abandonar a cena para não estragá-la, para que as notas continuem a repercutir no tempo”
Conversa com Dorothy direto de Tóquio: Antônio carrega dentro de si a antiga casa e a cartomante = as cartas foram lidas outra vez em Chicago = os acontecimentos futuros mudam sempre quando se troca a posição das cartas
Ao final, fica subentendido que Antônio terá com Dorothy o mesmo tipo de relação que tivera com Michelle. No entanto, pode-se questionar se a história contado por ele, e gravada por Michelle, da dama de cabelos ruivos vislumbrada nas cartas, não poderia ter sido inventada, como uma forma de sedução.

Questões da UFV

29. O conto “O monstro”, de Sérgio Sant´anna, narra a história do estupro e do
assassinato de uma jovem – Frederica – que sofria de deficiência visual. A
respeito deste conto, marque a afirmativa INCORRETA:

a) O tema central do conto é a violência, tratada de forma simplista e banal
tal como aparece nos jornais sensacionalistas que, rotineiramente,
estampam as suas primeiras páginas com crimes hediondos.
b) O narrador tenta desvendar, através da consciência do assassino, as
causas que o levaram a cometer o crime.
c) A linguagem jornalística, também presente no conto, é misturada com
reflexões de cunho psicológico e filosófico sobre os limites humanos.
d) O conto origina-se do mesmo mote que inspira os romances policiais,
mas se diferencia deles porque parte, a priori, do assassino já
conhecido.
e) A estrutura pela qual é formada o conto – perguntas e respostas – deixa
entrever nos parênteses abertos, antes das respostas do entrevistado, a
sensibilidade do assassino.

30. Nos contos “Uma Carta” e “As cartas não mentem jamais”, de Sérgio
Sant’anna, encontramos características da narrativa pós-moderna, isto é,
da produção literária contemporânea. Assinale a alternativa que contém
uma característica dessa narrativa:

a) O paradoxo entre os acontecimentos reais e transcendentais.
b) A linguagem como instrumento de construção de sentidos.
c) O bucolismo das paisagens rurais contrapondo com as cenas urbanas.
d) A presença de narrativas longas e descritivas, como no Romantismo.
e) A mistura de elementos da natureza e da cultura estrangeira.

14 de maio de 2006

Cecília Meireles_Biografia e informações

Biografia
http://www.revista.agulha.nom.br/ceciliameireles1bio.html


Poetisa, professora, pedagoga e jornalista, cuja poesia lírica e altamente personalista, freqüentemente simples na forma mas contendo imagens e simbolismos complexos, deu a ela importante posição na literatura brasileira do século XX. Nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 07/11/1901 e veio a falecer na mesma cidade em 09/11/64. Casou-se duas vezes e deixou três filhas.

Embora vivendo sob ifluência do Modernismo, apresenta ainda em sua obra heranças do simbolismo e técnicas do classicismo, gongorismo, romantismo, parnasianismo, realismo e surrealismo, razão pela aual sua poesia é considerada intemporal.

Órfã desde tenra idade (aos 3 anos já perdera os pais e três irmãos que nem chegou a conhecer), foi criada pela avó Jacinta Garcia Benevides. Desde cedo habituou-se ao exercício da solidão, tendo precocemente desenvolvido sua consciência e sensibilidade. Começou a escrever poesia aos 9 anos de iddade. Tornou-se professora pública aos 16, destacando-se como aluna exemplar, merecendo a estima dos mestres. Dois anos depois iniciou sua carreira literária com a publicação de Espectros (1919), uma coleção de sonetos simbolistas.

A década de 20 foi uma época de revolução na literatura braisleira, mas o trabalho de Cecília naquele período mostra pouca afinidade com as tendências nacionalistas então em voga, ou com o verso livre e a linguagem coloquial. Boa parte dos críticos, inclusive, consideram suas formas mais tradicionais de poema (como sonetos) o ponto mais alto de sua obra. Com Nunca mais . . . e Poema dos Poemas (1923) adere ao Modernismo. Em 1924 sai Criança meu amor e em 1925 Baladas para El-Rei.

Entre 1925 e 1939 dedicou-se à sua carreira docente publicando vários livros infantis e fundando, em 1934 a Biblioteca Infantil do Rio de Janeiro (a primeira biblioteca infantil do país). A partir deste ano ensinou literatura brasileira em Portugal (Lisboa e Coimbra) e em 1936 foi nomeada para a UFRJ, recém-fundada.

Cecília reaparece no cenário poético após 14 anos de silêncio com Viagem (1939), considerado
um marco de maturidade e individualidade na sua obra: recebeu o prêmio de poesia daquele ano da Academia Brasileira de Letras. Daí em diante dedicou-se à carreira literária, publicando regularmente até a sua morte. Vários de seus livros são inspirados nas muitas viagens que fez, viagens estas de grande significação, pois a autora extraiu do contato com gente, costumes e idiomas diferentes matéria de melhor compreensão da vida e da humanidade.

Entre os vários livros de poesia publicados após 1939 tem-se: Vaga Música (1942), Mar Absoluto e Outros Poemas (1945), Retrato Natural (1949), Romanceiro da Inconfidência (1953), Metal Rosicler (1960), Poemas Escritos na Índia (1962), Solombra (1963) e Ou Isto ou Aquilo (temática infantil, 1964).

Escreveu também em prosa, dedicando-se a assuntos pedagógicos e folclóricos. Produziu também prosa lírica, com temas versando sobre sua infância, suas viagens e crônicas circunstanciais. Algumas de suas obras em prosa: Giroflê giroflá (1956), Escolha seu Sonho (1964) e Inéditos (crônicas - 1968).

Ótimo e famoso texto, em que a própria poeta fala de si:
http://www.tanto.com.br/ceciliameireles.htm
"Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, três meses depois da morte de meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo, me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a Morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno.
(...)
Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou o sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade".
(...)
Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde foi nessa área que os livros se abriram, e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre essesdois tempos de vida, unidos como os fios de um pano".
LEITURAS CRÍTICAS
"Cecília"
A atmosfera dos poemas de Cecília é a mesma que respiram as figuras
de Botticelli. Tanto neste como naquela, há uma transfiguração das
criaturas. E sentimos, ao vê-las, não a nostalgia de um passado
edênico, mas de um futuro que talvez um dia atingiremos. Serão
corpos? Serão almas? Mas para que a discriminação? Recordem, ou
melhor, transportem-se àquele verso de Raul de Leoni: "A alma, estado
divino da matéria...".
Quintana, Mario [1977]. A vaca e o hipógrifo. 4. ed. rev. p. 53.
"O que logo chama a atenção nos poemas de Cecília Meireles é a extraordinária arte com que são realizados. (...) Sente-se que Cecília Meireles estava sempre empenhada em atingir a perfeição, valendo-se para isso de todos os recursos tradicionais ou novos. Há em Viagem, em Vaga Música, em Mar Absoluto, em Retrato Natural, em Doze Noturnos da Holanda, em Romanceiro da Inconfidência, em Canções, em Poemas Escritos na Índia, em Metal Rosicler e em Solombra, seu último livro, as claridades clássicas, as melhores sutilezas do gongorismo, a nitidez dos metros e dos consoantes parnasianos, os esfumados de sintaxe e as toantes dos simbolistas, as aproximações inesperadas dos super-realistas. Tudo bem assimilado e fundido numa técnica pessoal, segura de si e do que quer dizer."
Bandeira, Manuel [1946]. Modernistas. In: ______. Apresentação da poesia brasileira: seguida de uma antologia de poetas brasileiros. p. 143.

Missa do galo (variações sobre o mesmo tema)_Roteiro de leitura

Roteiro de leitura: Missa do Galo (variações sobre o mesmo tema)


Intertextualidade:

  1. epígrafe: uma escrita introdutória de outra
  2. citação: retomada explícita de um fragmento de texto no corpo de outro texto
  3. referência e alusão: referência a personagens, autores, títulos de obras; referência sutil, subentendida, apenas uma leve menção a outro texto ou a um componente seu
  4. paráfrase: recuperação de outro texto retomando seus processos de construção em seus efeitos de sentido
  5. paródia: forma de apropriação que, ao invés de endossar o modelo retomado, rompe com ele, sutil ou abertamente
  6. pastiche: quando se assume e os traços de um estilo, quando o texto recupera de forma séria elementos de um gênero textual, e assume suas características

1)Missa do galo (Machado de Assis)
Foco narrativo: 1ª pessoa / Narrador: Nogueira → narrativa construída através da memória→ o distanciamento do fato favorece a idealização e, consequentemente, a ambigüidade de interpretação

Apresentação das idas de Menezes ao “teatro” (eufemismo) e de Conceição como “a santa”

Referência e alusão: Balzac, Dumas, Os três mosqueteiros

Criação de uma atmosfera de sedução: a conversa baixa, a penumbra, rostos e corpos próximos, detalhamento dos gestos de D.Conceição, silêncios e insistência em manter o colóquio

“Há impressões dessa noite que me aparecem truncadas e confusas. Contradigo-me, atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que, em certa ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima.”

Nogueira fica completamente seduzido pela figura de D.Conceição a ponto até de esquecer da missa do galo (ambigüidade de sentimentos).

No dia seguinte, a figura de D.Conceição nada fazia lembrar a conversação da véspera. Nogueira voltara para Mangaratiba e, quando voltara, Menezes já havia falecido [apoplexia=derrame], e D.Conceição casado com o escrevente juramentado [quem registra contas comerciais e documentos] do marido (ironia)

2) Missa do galo (Nélida Piñon)
· Foco narrativo: 1ª pessoa / Narrador: Menezes (Chiquinho, marido de D.Conceição)
· O conto focaliza os antecedentes e os momentos próximos ao desfecho do conto de Machado
· Epígrafe de Quincas Borba: hedonismo, valorização dos prazeres carnais
· “Sou o primeiro a aceitar que muito excedi-me no trato com as moçoilas, cada qual tão mimosa que havia de apreciá-las de perto.”
· Na certeza de que seus dias findam, Menezes se lança à conquista desenfreada, seus impulsos sedutores são irrefreáveis
· Narrador não considera a esposa feia, mas não vê nela os mesmos encantos de outras mulheres
· Pág.27: caracterização do pudor de D.conceição na vida íntima do casal
· Pág.30: referência crítica a uma peça teatral de Machado
· Apresentação de Pastora, sua amante, que fora deixada pelo marido
· Pág.32: comparação entre Pastora e D.Conceição, referência a Macedo
· D.Conceição se nega a satisfazer os desejos do marido: justificativa para as amantes (1ª pessoa=ponto de vista tendencioso)
· Apresentação do escrevente juramentado Soares, e da consideração que tinha por Conceição
· Apresentação do jovem rapaz, Nogueira, e da sua saída na noite da missa do galo, em pleno natal
· Menezes revela seus impulsos sedutores e descreve minúcias das circunstâncias que nos levam até o dia da missa do galo. A falecida esposa deixara-lhe relativa fortuna, e a atual se resignava as suas escapadas. Dá indicações do interesse aparentemente ingênuo do escrevente em Conceição. Da mesma forma, traça um perfil de pureza do jovem Nogueira

3)Missa do galo (Osman Lins)
· Foco narrativo: 1ª pessoa / Narrador: Nogueira
· Muda-se o enredo, mas se mantém o foco narrativo e o caráter retrospectivo do conto de Machado
· Epígrafe: ambigüidade, dúvida / Referência: O vermelho e o negro (Sthendal)
· Menezes mora com a mãe doente e a esposa, aos sábados vai inspecionar sua filial em Jaboatão, onde pernoita. No dia seguinte, ao regressar, tomará banho e levará a esposa a passear, e depois irá sozinho ao cinema. Menezes é um homem de hábitos rígidos
· Na segunda-feira, quando a mãe de Menezes vai à loja, Nogueira fica conversando sozinho com Conceição
· Noite de natal, Nogueira e Conceição na mesma situação, mas “Conceição deixou, no quarto, a aliança”.
· Pág. 49: Nogueira seduzido pela figura de Conceição
· Nogueira percebe na mulher a beleza que nem o marido conseguiria reparar, o “rosto que por um instante se revelou e que, sob a intromissão do mundo exterior, já se oculta, visão a ser lembrada, fugaz em sua essência e nunca recapturável”.
· “Não voltarei jamais a ver essa mulher, vinda, no silêncio da noite, de turvas profundezas, outra vez submersa, agora para sempre”.
· O narrador mantém a ambiguidade em relação às intenções de Conceição, mas deixa explícito o seu desejo, despertado pelos momentos desfrutados junto à senhora. Acentua-se o caráter sedutor dela, o que confere à narrativa um tom erótico e provocador.

4) Missa do galo (Julieta de Godoy Ladeira)
· Foco narrativo: 1ªpessoa / Narradora: Conceição
· Epígrafe: ironia
· Narração de caráter retrospectivo: Conceição revela que a lembrança daquela noite da missa do galo reaparece às vezes, e ela imagina se o rapaz enfim compreende o que realmente se passou
· Narradora revela que se sentia humilhada, numa atmosfera de “ódio complacente”, mas sem brigas com o marido: “Não havia ciúme, não houvera amor”.
· Pág. 57: desejo por Nogueira
· Referência: Os Maias
· Pág.59: erotismo
· Narradora: “queria-o estático, vulnerável, meu”. Pág. 61/62: a sedução do garoto é quase uma vingança, ou uma forma de se tornar novamente um objeto de desejo
· A inocência e falta de maturidade de Nogueira a fazem ver que aquele desejo era equivocado. Tenta passar para o rapaz novamente a imagem anterior. Revela uma inclinação para o gerente da firma que, após a morte do marido, o substituiria
· Conceição demonstra explicitamente seu desejo de seduzir Nogueira. Cansada do papel de submissa às traições do marido, ela faz crescer em si o desejo pelo jovem hóspede. No entanto, arrepende-se ao ver sua inocência e sua vulnerabilidade. Não consegue, ao final, enxergar o homem dentro do rapaz. A única lembrança que perdura é a do desejo.

5) Lembranças de Dona Inácia (Antonio Callado)
· Foco narrativo: 1ª pessoa (D.Inácia) e 3ª pessoa (narrador) / Discurso indireto, direto e indireto livre
· Narrador inicia contando do despertar de D.Inácia. Detrás da porta, escutará e reprovará o insinuante diálogo entre D.Conceição e Nogueira. Revela-se a figura misteriosa do homem de negro, a quem a senhora estendia a mão durante o sono
· “...neste triste mundo de que se sai um dia seguindo os negros passos do homem de sapatos pretos, de fivela” = homem de negro→morte
· Pág.69: utilização do discurso indireto livre com forma de aproximação entre a figura do narrador e a personagem
· Inácia se lembra com saudade do marido: da mesma forma que a filha, o fato de não ser um objeto de desejo traz certa frustração
· Citação: utilização de trechos do conto machadiano
· Pág.71: revelação do desejo secreto por Montezuma, a figura do escritor Machado de Assis, e a busca na memória do nome da amiga de Conceição, Capitu, que “lia a alma dos homens como outros lêem o Correio Mercantil”
· A vista ao senado na companhia do escritor, que a colocou “sossegada, na consoladora contemplação do desconsolo que é toda vida humana”
· Pág. 74: frustração de D.Inácia
· A misteriosa figura do homem de preto que levanta a cortina para todos passarem = separação entre vida e morte, realidade e ficção → “Só não passava o moço, escritor e cicerone, (...) ao curvar-se em despedida, mas cumprindo, sereno, seu dever de ficar”.
· Machado se torna personagem. A figura de negro transpõe a todos para o lado oposta à figura do escritor. Ou ela traz todos à vida, ou leva a todos para a morte. →ficção engendra a vida
· D.Inácia, meio sonolenta, relembra momentos que passara com o marido Veiga, o desejo secreto por Montezuma, além de introduzir na narrativa a figura de Capitu, personagem de D.Casmurro, enquanto ouve e observa sua filha e Nogueira conversando.

6)Missa do galo (Ligia Fagundes Telles)
· Foco narrativo: 1ª pessoa / Narradora: Leitora do conto
· A narradora se coloca como espectadora e analisao comportamento das personagens de Missa do galo
· Epígrafe: o silêncio= contenção de palavras, excesso de palavras, falta de palavras = sedução
· “Também me foge, inatingível, ele e os outros. Sem alterar as superfícies tão inocentes como essa noite diante do que vai acontecer. E do que não vai – precisamente o que não acontece é que me inquieta.”. = narradora refere-se à ambigüidade e à falta do ápice da sedução
· pág.100: narradora tenta entender o que se passa com Nogueira
· pág.101: a importância dos silêncios no jogo de sedução
· pág.102: utilização do discurso indireto livre para se manifestar o rancor de D.Inácia por Menezes
· relação entre Menezes e a mulata
· narradora procura preencher o oco de sua própria verdade, que ela não sabe se é mais verdadeira= cada leitor terá sua interpretação para aquela noite, “matéria imperecível no bojo do Tempo”ao analisar o comportamento e as personagens do conto, a narradora se coloca como leitora/espectadora, ansiando por respostas para a ambigüidade das reações, das palavras e dos silêncios de Nogueira e Conceição. Recupera-se a dúvida do texto, mas se mantém a falta de respostas .

7) Missa do galo (mote alheio e voltas) (Autran Dourado)
· Foco narrativo: 3ªpessoa / narrador
· Epígrafe: procura de respostas para a conversação da noite da missa do galo
· O conto focará o ponto de vista do escrevente juramentado Joaquim Fontainha Távora, que herdara, além dos bens e do posto de Menezes, sua esposa
· Conceição sempre procurava insinuar que fora ela o “general do triunfo” de Távora
· Conceição, depois da morte do marido, passara a aperfeiçoar suas artes de sedução e a dizer abertamente seus desejos: “Vivo, o Menezes certamente não a reconheceria nessas curvas e maquinações”
· Foram obrigados a se mudar quando picharam na parede da residência “Cartório Távora, Antigo Menezes”
· Pág.85: “vingança” de Conceição
· Conceição revela detalhes da noite da missa do galo ao atual marido. Numa das vezes em quem ela chegara até a porta, entreabriu o roupão, “certa de que ele não a via, querendo que ele a visse”
· “Era um jogo de silêncios e contenções. Falaria por semáforas, gestos e posturas, reticências e insinuações, nada mais”.= mantém-se o jogo de sedução
· Conceição confessa abertamente seu interesse: pág.90
· Conceição usa seu desejo para fazer com que Nogueira a visse bela. Num momento de torpor do garoto, Conceição dá-lhe lentamente um beijo
· Pág.94: reação de Távora e revelação do antigo caso entre ele e Conceição
· Enfoca-se como Távora herdou os bens e a esposa de Menezes, às custas de esperas e paciência. Conceição, depois da morte do marido, desenvolve e mostra seu lado sensual sem pudor, e com artimanhas e trejeitos, vive a atiçar o ciúme no marido. Ela lhe conta o episódio da missa do galo ressaltando seu lado sedutor. Távora já substituía Menezes em vida, no leito conjugal. No dia da missa, Conceição o dispensara, e ele encontra casualmente o desconsolado Menezes na igreja- a amante também fizera o mesmo com ele.

Amor de Capitu_Fernando Sabino (Resumão)

Amor de Capitu (Leitura fiel do romance de Machado de Assis
sem o narrador D. Casmurro) Fernando Sabino

Apresentação da obra: o que sempre atraiu Sabino não “foi a intrigante e todavia óbvia infidelidade da personagem principal”, mas descobrir se a dúvida teria sido premeditada pelo autor, “através de um narrador evasivo, inseguro, ingênuo, preconceituoso e casmurro como o apelido que assumiu para si mesmo”.

O romance reconta a história narrada em Dom Casmurro, sem as interferências do protagonista na narrativa. Pretende-se verificar quais os efeitos do deslocamento do foco narrativo para a 3ª pessoa, o que já se verifica no título, Amor de Capitu, que retira o foco central do narrador Bentinho.


Contemporanização do romance original
prática da releitura intertextual (Recriação literária)
modernização de palavras e expressões idiomáticas


Conseqüências da transposição do foco narrativo para a 3ª pessoa:

  1. retira-se as digressões do narrador sobre o passado e a construção do romance
  2. excluem-se as inúmeras referências intertextuais, ligadas, principalmente, à questão da traição
  3. supressão dos diálogos com o leitor, que podem ser relacionados à tentativa de conquistar sua confiança
  4. o tempo psicológico, resultante de uma narrativa de cunho memorialista, passa a ser cronológico
  5. aglutinação de capítulos do original e transposição de alguns entrechos
  6. utilização do discurso indireto livre para se expor as sensações de Bentinho(por vezes, é difícil identificar com clareza a quem pertencem as considerações): “Com que então ele amava Capitu, e Capitu o amava! Realmente, andavam sempre juntos, mas não lhe corria nada que fosse secreto entre os dois.” ; “Não, ele não sabia a que comparar aqueles olhos de Capitu. Olhos de ressaca? Isso mesmo, de ressaca: é o que lhe dava idéia aquela feição nova”.


Sabino: “procurei reviver os acontecimentos do livro a partir do mesmo ângulo do narrador original, com os mesmos elementos prosódicos, sem a interveniência de interpretações pessoais posteriores, muitas vezes deformadas pelo tempo decorrido”

Como o narrador não acrescenta à obra as perspectivas de outros personagens, a visão de Bentinho, construída por Machado de Assis, é mantida em Amor de Capitu. Isso quer dizer que a narrativa mantém seu ponto de vista tendencioso sobre a aparente certeza da traição de Capitu e Escobar.


É bem, e o resto? (mesmo título do último capítulo de Dom Casmurro): considerações do autor acerca do processo de construção do livro. Enquanto que no romance original a metalinguagem funde-se à própria narrativa, na obra de Sabino, ela aparece numa seção à parte do enredo.

O cronista Dom Casmurro: capítulos de Dom Casmurro excluídos em Amor de Capitu, transcritos e apresentados como “exemplo de excelentes crônicas de época” → Bentinho “como comentarista de si mesmo e dos fatos de seu tempo, à margem da trama romanesca de sua pretensa autoria”.

*É fundamental que você tenha também o material que contém a comparação entre os trechos de Dom Casmurro e Amor de Capitu.

MACAU_Paulo Henriques Britto (Entrevistas com o autor e textos sobre o livro)

Paulo Henriques Britto

Dados bio-bibliográficos:

Paulo Henriques Britto nasceu no Rio de Janeiro, em 1951. Professor e tradutor, estreou como poeta em 1982, com Liturgia da Matéria, a que se seguiram Mínima Lírica (1989), Trovar Claro (1997) e Macau (2003).

Entrevista:Rodrigo de Souza Leão

Entrevistado: Paulo Henriques Brito


Paulo Henriques Britto. Ele nasceu no Rio de Janeiro, em 1951. É professor e tradutor, estreou como poeta em 1982, com Liturgia da matéria, a que se seguiram Mínima lírica (1989) e Trovar claro (1997). O Começo

Balacobaco - Como foi o início do seu contato com a literatura?

Paulo Henriques Brito - É difícil dizer. Tenho muito poucas lembranças do tempo em que eu ainda não sabia ler. Minha principal atividade na infância e em boa parte da adolescência foi ler e escrever. Comecei minha leitura com gibis, depois engrenei no Tesouro da Juventude e nos livros infantis de Monteiro Lobato. Num certo sentido, o TJ e ML foram as leituras que tiveram o maior impacto sobre mim.

B - O que o poema tem de lúdico?

PHB - Boa parte da especificidade da linguagem poética, creio eu, é justamente esse aspecto lúdico dela, a questão do ritmo, da rima, da onomatopéia, do uso musical e lúdico das palavras. Isso é o que há de mais básico na linguagem poética, e talvez seja o que há nela de universal, ou seja, o que permite que classifiquemos como poéticas certas produções verbais de povos de cultura muito diferente da nossa.

B - Quais livros fizeram parte de sua formação?

PHB - Num primeiro momento, como já disse, o Tesouro da Juventude e Monteiro Lobato. Depois, quando fui morar nos EUA, ocorreu meu primeiro contato sério com a poesia - Shakespeare, Emily Dickinson, Poe, Whitman. Li também muito Hawthorne e Dickens, além de histórias de detetives: Poe, Conan Doyle, Chesterton, etc. Depois, já de volta no Brasil, na adolescência, descobri Machado e os outros clássicos brasileiros, principalmente os prosadores, que sempre me interessaram mais que os poetas. Mas por volta dos quinze anos descobri Pessoa, o que foi para mim uma verdadeira revelação e que pela primeira vez me levou a tentar escrever poesia "a sério" -- ou seja, com pretensões literárias, e não como puro ludismo verbal, como eu fazia desde os seis anos de idade. Pessoa puxou os clássicos do modernismo brasileiro - Bandeira e Drummond. Por volta dos dezessete anos, outra descoberta importante: Caetano Veloso, que por um lado me fez atentar mais para a música popular - Chico Buarque, Gilberto Gil, Bob Dylan, Jim Morrison - e por outro me fez ler o Balanço da bossa de Augusto de Campos, mais um livro fundamental na minha formação, que me levou a me interessar por crítica e teoria. Outra leitura dessa época que foi da maior importância foi A interpretação dos sonhos de Freud. Foi também nessa época que descobri o autor que até hoje é meu predileto, Kafka, além de Joyce, Beckett, Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Cortázar, Gombrowitz, Sartre, Mário de Andrade, Campos de Carvalho... Mais para o final desta fase propriamente de formação, li alguns autores que foram marcantes para mim: lingüistas e pensadores, como Chomsky, Popper e principalmente Wittgenstein; romancistas, como Dostoievski, Tolstoi, Melville, Flaubert e, acima de tudo, Proust; críticos-poetas, como Eliot, Pound e os irmãos Campos; e dois poetas fundamentais: Wallace Stevens e Cabral. Esses autores foram os últimos a ter sobre mim esse tipo de impacto que, depois dos vinte e poucos anos, dificilmente você volta a sentir, mesmo que você ainda venha a fazer muitas descobertas importantes.

B - Quando começou a escrever. Quais eram as sensações físicas e mentais?

PHB - Comecei a escrever por volta dos seis anos. O ato de escrever me dava muito prazer; antes mesmo de saber ler eu já gostava de rabiscar folhas de papel, fazendo de conta que estava escrevendo. Era realmente um prazer físico e mental. Porém com o passar das décadas o prazer de escrever já não é mais tão intenso; o da leitura, porém, permanece inalterado. (...)O Poeta e a Obra

B - A concisão é uma de suas marcas. Fale um pouco.

PHB - A concisão é mesmo uma das minhas marcas? Em comparação tanto com os poetas que seguem na trilha do concretismo e descartam a sintaxe discursiva quanto com os descendentes da poesia-mimeógrafo dos anos setenta, que cultivam o poema-piada e o epigrama, o meu trabalho não me parece particularmente conciso. Eu diria que me situo bem na mainstream da poesia lírica contemporânea. Mas é claro que, na medida em que essa mainstream toda se desenvolve sob o signo de Cabral, sem dúvida a figura mais influente na poesia brasileira das últimas décadas, minha poesia tende mais para o seco que para o úmido. Nisso, tanto quanto na tendência à reflexão metalingüistica, eu diria que sou um poeta bem típico da minha geração e do meu tempo. (...)

B - Quais os grandes poetas da atualidade?

PHB - Não me sinto capacitado a responder a essa pergunta. Não sou crítico, e não conheço tão bem a produção contemporânea quanto eu gostaria de conhecer. Apenas acompanho alguns nomes que me interessam na poesia brasileira e na de expressão inglesa. No Brasil, o único poeta vivo cuja grandeza me parece inquestionável é Cabral.
(...)
B - Qual o maior poeta de todos os tempos?

PHB - Não sei. Dentro das minhas limitadas leituras - limitadas entre outras coisas pelo fato de que só domino português e inglês, embora leia mal e porcamente as outras línguas neolatinas - os que me pareceram maiores foram Shakespeare e Dante. Em português, acho Pessoa superior a todos os outros, inclusive Camões. Mas insisto que não sou crítico, não sou um estudioso sério de literatura.

B - Quais são as suas influências?

PHB - De novo, uma pergunta que eu não sou a pessoa mais indicada a responder. Se você perguntar quais os poetas que eu já me vi consciente ou inconscientemente imitando, ou parafraseando, ou homenageando, a lista seria muito longa, mas os nomes principais seriam talvez Pessoa, Drummond, Bandeira, Stevens, Cabral, Dickinson, Shakespeare, talvez Byron, os poetas americanos e ingleses do pós-guerra, principalmente Ginsberg, Elizabeth Bishop, James Merrill e Philip Larkin. Eu teria que citar também poetas que só li em tradução, como Kaváfis, e muita coisa que li traduzida pelos irmãos Campos, como os provençais. Também teria que citar o impacto de alguns prosadores, como Machado, Kafka e Joyce. E certamente a música popular dos anos sessenta, o rock, Bob Dylan, e a MPB, Chico Buarque, Torquato Neto, Capinan, Gil e principalmente Caetano Veloso. (...)

B - O que falta para cair de vez nesta rede?

PHB - Também não tenho muito o que dizer sobre isso. Sou um usuário parcimonioso da Internet. Praticamente só uso a rede para a minha correspondência eletrônica, para importar livros e fazer download de obras clássicas armazenadas em bibliotecas eletrônicas. (...)

B - O que é necessário para o fenômeno poético?

PHB - Acho que não sei responder essa pergunta. Eu teria que pensar muito, e provavelmente diria bobagem. Com a palavra, os teóricos de literatura. Pedir a um poeta que se pronuncie sobre questões teóricas é o mesmo que pedir a um crítico que escreva uma sextina.

B - Em sua poesia, que questão técnica lhe agrada mais?

PHB - Gosto muito de explorar as formas fixas. Também adoro o verso livre, mas cada vez ele me parece a forma mais difícil e exigente de todas. Gosto de experimentar sobretudo com a rima, a assonância e a aliteração; em matéria de métrica sou quase sempre fiel ao decassílabo. Mas gosto de fazer experiências com o decassílabo, utilizar formas inusitadas -- no meu último livro trabalhei com um decassílabo meio maluco, dividido em dois hemistíquios, com o acento recaindo na 2a, 5a, 7a e 10a sílaba. E há muitos anos que não consigo me livrar do soneto. Por isso às vezes faço variações em torno da forma canônica, invento uns sonetóides diferentes.

B - O que é mais difícil em tradução?

PHB - Tudo. Traduzir é muito difícil. Mas para mim às vezes dá até mais prazer que escrever.

B - Para traduzir até que ponto é necessário o conhecimento total da língua traduzida?

PHB - Bem, "conhecimento total" não existe de nada, nem mesmo da língua nativa. É claro que é bom conhecer bem a língua de que se traduz, mas o essencial é conhecer muito bem a língua para a qual se traduz. Um tradutor que domine bem seu próprio idioma pode traduzir até de línguas que não conhece perfeitamente, munido de bons dicionários e consultando pessoas que dominem a língua da qual ele traduz. (...)

B - Por que a tradução de poesia é um trabalho de poetas?

PHB - Traduzir é um trabalho de escritor. Para traduzir poesia, é preciso ter domínio passivo e ativo do arsenal de recursos formais utilizados pelos poetas. Ou seja, é preciso, num certo sentido, ser poeta. Porém o tradutor não precisa ter o que dizer, só precisa saber fazer um poema. Já o poeta para ser bom tem que ter algo para dizer, na minha opinião.

B - Que língua prefere traduzir?

PHB - Só traduzo do inglês para o português e vice-versa. Sendo que vice-versa só em caso de textos não literários.

B - Existe uma conduta, um pudor em "mexer" na obra alheia?

PHB - Quem tem pudor de mexer na obra alheia não pode ser tradutor. Traduzir implica mexer, e muito, no texto do outro.

B - Qual o poema seu que mais o personifica? E a sua obra?

PHB - Não sei dizer.

B - Qual o papel do escritor na sociedade?

PHB - Há vinte anos atrás, eu diria que a principal exigência feita ao escritor era de caráter ético. Hoje, eu diria que o mais importante é de natureza técnica: ele deve escrever bem. O que mudou, além do fato óbvio de que não vivemos mais numa ditadura odiosa, é que me convenci de que a literatura é bem menos importante para a maioria das pessoas do que eu imaginava. A exigência ética, portanto, é mais premente para quem trabalha com televisão e cinema. A literatura afeta uma porção ínfima da população, e a poesia uma parte muito pequena dessa porção ínfima.

Entrevista: Bernardo Mello Franco

Poeta premiado em busca de horas vagas para criar

Paulo Henriques Britto se divide entre tradução e aulas de literatura
A vida de Paulo Henriques Britto não mudou muito desde a noite de terça-feira, quando recebeu o prêmio Portugal Telecom de Literatura, em São Paulo, pelo livro de poemas Macau, lançado em 2003 pela Companhia das Letras. Continuou dividindo seu tempo entre a atividade de tradutor e as aulas de literatura que ministra na PUC-Rio. Seus alunos levaram dois dias para cumprimentá-lo pela vitória, que só souberam pelos jornais. O poeta revelou que não queria viajar para a cerimônia de premiação.
- Tinha que dar aula no dia seguinte às 11h - justifica.
Apesar de satisfeito com o reconhecimento e o prêmio de R$ 100 mil - que usará para cobrir despesas médicas dos pais e trocar o carro ''já velhinho, com 12 anos'' -, Britto vê com ceticismo a possibilidade de aumentar as vendas.
- Ninguém lê poesia. Isso só vai me render os 15 minutos de fama. Quem sabe, mais gente vai comprar o Macau para a namorada no Natal, mas o impacto não será duradouro.
Enquanto traduz o novo livro de Philip Roth, com título provisório de Complô contra a América, e termina a revisão de sua primeira seleção de contos, Paraísos artificiais, Britto busca horas vagas para inúmeros projetos: ler poetas portugueses, a obra completa de Balzac, reler Proust, preparar uma antologia de Emily Dickinson...
- O ócio criativo é vital para o poeta - conclui.


Entrevista:
- Como foi o processo de escrita de Macau?

- Reuni minha produção desde o último livro (Trovar claro, de 1997) sem muito critério. Na verdade, não consigo escrever com muita organicidade. Vou reunindo, depurando, cortando. Quando acho que está ficando pronto, começo a mostrar e pedir sugestões para minha mulher, amigos próximos que trabalham com poesia.

- De que forma concilia o trabalho de tradução com a poesia?

- Escrevo nas horas vagas. No máximo, seis poemas por ano. É um trabalho muito esporádico, passo meses sem abrir o caderno. Gostaria de ter mais tempo para a poesia, mas ainda tenho que preparar aulas, corrigir provas... - (...)

- Onde surgiram as influências da cultura pop em seus poemas?

- Tenho ligação com a música popular desde muito cedo. Minha formação, nos anos 60, foi com os Festivais da Canção. Também ouvia muito rock: Beatles, Rolling Stones, Bob Dylan. Ainda não era tradutor, mas com 17, 18 anos, achava as letras de Bob Dylan muito legais e queria mostrar para os meus amigos que não falavam inglês.

- De que forma analisa o momento atual da poesia brasileira?

- Cresci numa época de muita polarização. Ou você era Chico Buarque, ou Caetano Veloso. Sempre gostei dos dois, era um problema (risos). A poesia também era assim. Essa polarização remonta ao grande conflito entre modernos e parnasianos na década de 1920 e reaparece, de certa forma, nos anos 40, quando os concretistas começam a atacar a geração de 1945. Após a ''vitória'' do concretismo, vem a reação da chamada geração mimeógrafo, aquela poesia espontânea, descabelada. É nessa época que eu entro.

- Como se posicionava entre a geração mimeógrafo e os concretistas?

- Sempre sofri um certo mal-estar. Devorava as traduções do Augusto de Campos e andava com seu livro sobre a Tropicália, O balanço da bossa, debaixo do braço. Era a minha Bíblia. Lia todos os autores que os concretistas recomendavam, mas nunca gostei de poesia concreta. Por outro lado, dava razão ao discurso que pregava o uso de algum método. Mas o pessoal do mimeógrafo falava de temas da minha geração como drogas e rock and roll, o que me gerava grande identificação com eles. Na verdade, nunca consegui me situar muito bem em nenhum lugar.

- Acha que essa polarização está acabando?

- Sim, e pela primeira vez em muito tempo. Estamos vivendo uma época de muita pluralidade, os poetas não estão mais fechados em grupos. Ao mesmo tempo, ocorre uma coisa extraordinária: o aumento do número de revistas de poesia pelo Brasil. Só no Nordeste, são dezenas. Considero essa pluralidade muito saudável. Italo Moriconi sintetizou o momento numa frase ótima: ''Voltamos à normalidade''.

- Por que o grande público não lê poesia?

- De modo geral, a poesia perdeu muito espaço no Ocidente. Virou leitura de especialistas: poetas, estudantes, críticos. É um público muito pequeno. A maior parte das pessoas não lê mais poesia - aliás, não lê nem romance. O lugar da poesia foi ocupado pela música popular e o lugar do romance, pelo cinema e pela novela de televisão. No caso do romance, ainda restam os best-sellers, de consumo fácil. No século 20, surgiu, não só na poesia, um grande hiato entre o gosto do artista e o gosto do grande público, da classe média. Nas artes plásticas, o divórcio foi o mais radical possível. No campo do romance, foi menos forte, mas não na poesia.

- Como descobriu a poesia?

- Na verdade, descobri a poesia em língua inglesa, quando morei nos Estados Unidos, entre os nove e 10 anos. Quando era menino, no Brasil, os modernos eram ignorados na escola. Só lia Olavo Bilac, Gonçalves Dias... Poesia era uma chatice, que a gente tinha que decorar para ler no Dia das Mães. O ensino de poesia nos anos 50 era uma coisa atroz. Nos Estados Unidos, me deram Shakespeare, Emily Dickinson, Walt Whitman. Foi um choque. Quando voltei ao Brasil é que descobri, com Fernando Pessoa, que também existia poesia boa em língua portuguesa.

- Você comentou que pretende usar o prêmio Portugal Telecom (R$ 100 mil) para trocar o carro...

- Vai dar para trocar o carro, resolver uns outros problemas (risos)... É um dinheirinho bom. Quem vive como escritor no Brasil? Talvez o Paulo Coelho e outros três ou quatro. Como poeta, nem pensar. Aliás, não há mais poeta popular. Nos anos 50, existia um cara chamado J. G. de Araújo Jorge que vendia poemas de amor para os caras darem para a namorada, essas coisas. Eram livros de poesias rasteira, uma superdiluição do romantismo. Hoje, não existe mais nem isso. O sujeito quer dar um presente para a namorada e baixa umas músicas em MP3 na internet.

- O que você tem lido por prazer?

- Quase todas as minhas leituras acabam virando trabalho. Gosto mesmo é de romance. Queria ler toda a obra de Balzac, reler Proust, mas acho que só vou conseguir fazer isso tudo quando me aposentar. Em poesia, meu projeto é usar as raras horas vagas para ler mais poesia portuguesa, que conheço mal. Aproveitei uma feira recente na PUC para comprar vários livros portugueses. Estou me obrigando a ler muita poesia medieval, aqueles trovadores, para o curso de oficina de poesia que estou dando no curso de formação de escritores. Minha formação foi lingüística, nunca fui aluno de literatura. Aliás, minha tese é de semântica formal, que é mais lógica matemática. Quando acabei o mestrado, larguei a lingüística para virar tradutor e professor de tradução. (...)

O azarão afortunado


Prêmio Portugal Telecom de Literatura destaca o poeta Paulo Henriques Britto, autor carioca que traz como marca a obsessão pela disciplina e pela clareza

Para evocar o território de íntima estranheza da poesia brasileira, o poeta e professor Paulo Henriques Britto deriva por outras paisagens: "A água é pura espera, como um túmulo egípcio"
Sempre que a poesia ganha um prêmio de expressão é vista como surpresa e azarão. Ainda mais se está concorrendo com romances. O poeta carioca e professor universitário Paulo Henriques Britto, ao ser anunciado no último dia 9 como vencedor do prêmio de R$ 100 mil da Portugal Telecom, não deixou de ironizar que teria seus 15 minutos de fama e que seu livro Macau (Companhia das Letras, 79 páginas) venderia um pouco mais no Natal na forma de amigo-secreto e presente de namorados. Tradutor da Companhia das Letras (aliás, uma de suas fortes referências é o americano Wallace Stevens, um de seus traduzidos), o autor não é de falar muito, mas de fazer calar no momento certo. Em seus 20 anos de poesia, publicou apenas quatro livros: Liturgia da Matéria (1982), Mínima Lírica (1989), Trovar Claro (1997), além de Macau (2003), sempre com intervalo de seis a sete anos entre uma produção e outra. A lentidão decorre de sua exigência pela aquisição de um domínio do próprio processo criativo.
Utilizou a metáfora do pequeno entreposto português na China, Macau, para mostrar o quanto a poesia brasileira é um território de íntima estranheza, rodeado de idiomas que não a levam a sério. Utiliza a desordem externa do mundo, a negatividade, para arquitetar uma ordem interna e positiva, de precisão e sutileza. Ele se distancia para depois personalizar a visão. Sua poética tem como matriz o ludismo verbal e a ironia. Seu charme vem de um ar desesperançado. O formalismo e a afeição por formas fixas contrastam com o tema coloquial de seus versos, munido de referências pop como Jim Morrison ou de cenários como bangalôs, praias, hotéis baratos. Uma monotonia proposital e o ímpeto prolixo e argumentativo são quebrados ao final com a inversão de expectativas, transformando o conceito em uma imagem. Seus poemas são falsos blagues, falsos exorcismos. Ele finge falar do mundo para falar do seu jeito desconfortável no mundo. Define um mal-estar ou um desvio com o apelo pessoal. "Se tudo correr bem, também a tua derrota / vai ser de bom tamanho. Pode contar comigo."
Circula no espaço da trivialidade, das revelações a partir do mais grosseiro, do mais visível, do mais tátil. É como uma consciência que evolui unicamente do texto para o texto, em uma operação cabralina contínua de investigação e observação sagaz. A dicção é híbrida, infiltrada de neologismos e gírias, que dividem espaço com evocações do dicionário.
"Esse quarto minguante incompetente que mal / e porcamente alumia, essa tosca / arandela de santo em quarto de bordel, / coberta de cocôs de mosca... / Não abre a boca, não estufa / o peito, não. Nada que você diga / é teu. Nada é você. Você não é Puf!". Não é de uma linhagem metafísica. Egresso da geração mimeógrafo, marcada pela espontaneidade do sentido (nunca do sentimento), tornou-se pouco a pouco um artesão da língua, um alfaiate erudito, não abdicando da nobreza do desbotado e dos trapos. Até porque não há realidade plena sem o escuro, muito menos pôr-do-sol sem luz desmaiada.
Sua poesia é construída, focada, refinada, crítica da leitura do poeta e do poeta leitor, derrubando a noção de autocomplacência e comoção direta do romantismo. Há, em seu trabalho, uma autonomia admirável, uma obsessão de repertório. Em Trovar Claro, encontra-se referências ao Egito: "A água é pura espera, como um túmulo egípcio", reiterada em Macau: "Antes que fôssemos mumificados por completo, você descobriu uma maneira de apodrecer tão depressa que fosse impossível até mesmo para o mais hábil mumificador do Alto Egito".
Igual processo funciona com sua fixação pelas mãos que vacilam e escrevem o que pensam sentir, presentes em "Dez exercícios para os cinco dedos", de Trovar Claro, e "Bagatela para a mão esquerda", de Macau. Tanto que os dois livros apresentam sempre a figura das variações, dos exercícios e dos estudos, contribuindo para a disciplina do rascunho. A lógica de Paulo Henriques Britto é não chegar ao poema perfeito, porém o mais perto possível dele, sem abdicar da imperfeição que assegura a naturalidade dos versos. Produz erros premeditados: "Mas a semente espera. É insistente / e acerta mesmo sem saber que erra". Atuaria como um biólogo do ritmo, perfurando as paredes culturais de sua formação (como ao refutar Drummond). Percebe-se a importância da prosa (bem longe do prosaísmo) em sua poesia, como uma necessidade orgânica de ser compreendido e de seguir um raciocínio limpo e linear, de criar cumplicidade com o leitor mesmo que seja pela hipocrisia, como ensinava Brás Cubas de Machado de Assis.
De Vulgari eloquentia
A realidade é coisa delicada,
de se pegar com as pontas dos dedos.
Um gesto mais brutal, e pronto: o nada.
A qualquer hora pode advir o fim.
O mais terrível de todos os medos.
Mas, felizmente, não é bem assim.
Há uma saída - falar, falar muito.
São as palavras que suportam o mundo,
não os ombros. Sem o "porquê", o "sim",
todos os ombros afundavam juntos.
Basta uma boca aberta (ou um rabisco
num papel) para salvar o universo.
Portanto, meus amigos, eu insisto:
falem sem parar. Mesmo sem assunto.
Acalanto
Noite após noite, exaustos, lado a lado,
digerindo o dia, além das palavras
e aquém do sono, nos simplificamos,
despidos de projetos e passados,
fartos de voz e verticalidade,
contentes de ser só corpos na cama;
e o mais das vezes, antes do mergulho
na morte corriqueira e provisória
de uma dormida, nos satisfazemos
em constatar, com uma ponta de orgulho,
a cotidiana e mínima vitória:
mais uma noite a dois, e um dia a menos.
E cada mundo apaga seus contornos
no aconchego de um outro corpo morno.
Por : Izacyl Guimarães Ferreira

Macau, de Paulo Henriques Britto :Nihilismo, humor e metapoesia

Autor de poucos livros de poucos poemas de poucos versos, notável tradutor de Wallace Stevens, Ted Hughes, Elizabeth Bishop, entre outros, ex-estudante de cinema, o ganhador do mais valioso prêmio pago até hoje no país a um livro de poesia, Paulo Henriques Britto, muito mais que um poeta excelente é uma dicção nova – tão formalmente disciplinada quanto inventiva, uma lírica indagadora, de “trovar claro”, como titulou seu livro anterior.
Mas, como todo poeta de peso específico, não é o que Bandeira dizia de Murilo – “um bicho-da-seda, que retira tudo dele mesmo”. PHB se insere numa linha que passa por João Cabral, aludido no título do metapoema Fisiologia da Composição, linha que penetrou no cerne da poesia do pensamento, típica de Wallace Stevens, recorda certo meditar sonoro de Pessoa, toca de leve o humor que não desmerece Drummond e transcende atmosferas do que pretenderam sem êxito modernistas e marginais notórios. E de passagem adjetiva insolitamente como Murilo e condensa a emoção com a brevidade de Emily Dickinson.
O título do livro ganhador do Prêmio Portugal Telecom – Macau – é mais que uma rima feliz para mal no poema II dos “Sonetos Simétricos”. A possessão portuguesa na China é metáfora extraordinária do que pode ser a poesia de PHB. Língua nada hegemônica é o nosso idioma, arte nada popular é a poesia, espécie nada privilegiada é o homem se não tem a proteção de um deus, uma utopia, qualquer esperança de redenção.
Ilha é o poeta, ilha é a língua em que escreve, ilha é o homem num mar feito de “minúsculos plânctons” que compõem a realidade que o circunda, imóvel no “cais ínfimo e úmido do eu”.
Mas, e o humor? já perguntava o gauche Carlos e com fina elegância ( ainda que nem sempre) responde PHB. Porque “a dor é kitsch” e “só o raso é cool”, há que seguir adiante, sem mergulhar fundo demais.
O humor percorre o livro ao lado do nihilismo, e vêm os dois, tão reiteradamente expressos, que não chegam, um a desatar o riso, outro a desatar o pranto. O leitor aceita esse jogo de luz e sombra como o adulto que é aceita a mortalidade.
(...)
Também os anjos mudam de poleiro
de vez em quando, se rareia o alpiste
indeglutível que é seu alimento.
Porém você não se conforma, e insiste,
procura em vão possíveis substitutos
que tenham o efeito de atrair de volta
esses seres ariscos, esses putos
que se recusam a ouvir os teus apelos,
como se fossem mesmo coisas outras
que não a tua própria vontade de tê-los
sempre a postos, em eterna prontidão,
a salpicar na tua boca ávida
o alpiste acre-doce da ( com perdão
da péssima palavra ) inspiração.
Parece evidente que os anjos são rilkeanos, como a “fisiologia” referencia o João Cabral da psicologia da composição, uma influência admitida. Noutro texto, diz que é claro que é difícil escrever, fala de suor e de acaso, palavrinha cabralina mas também mallarmaica. PHB é poeta culto, professor de literatura, mas que rejeita assumir posturas críticas, como nega aos críticos poder de escrever sextinas. E se sonetiza o faz heterodoxamente: seu apego às formas fixas é mais um parâmetro que uma lição observada rigorosamente.
Parece importar-lhe tanto a forma quanto a matéria que ela molda, e embora a dor seja “brega” ele a registra, como aconselha Auden : que a dor seja feliz e dita com beleza. Não basta o sofrimento se ele não ultrapassa o momento, longo que seja, para transformar-se em expressão poética. Exemplo, esta “epifania trivial”:Seria trágico se não fosse bobagem.Seria uma solução se houvesse um problemapossível de resolver. Seria uma imagempoética se houvesse espaço pra um poema.Estando as coisas como estão, não é mesmo nada.O que é uma pena. Pois o gesto em si é belocomo uma ruína, ou uma xícara quebrada.( Mas não é bem gesto e sim a intenção de fazê-lo.É mais a idéia de uma coisa que uma coisa,apenas um projeto, e a plena convicçãode que mais nada vai acontecer depois,a consciência de que a pseudo-soluçãohá de doer a vida inteira na lembrançacomo um castigo injusto imposto a uma criança.)

Cabe assinalar o que a edição (Companhia das Letras) informa: em sua quase totalidade os poemas são inéditos apenas em livro, publicados que foram ao longo dos anos em diversos periódicos.
S
oaria naturalmente adequado o elogio a uma obra recebida com o aplauso deste Macau. Aplauso de crítica e “de bilheteria”, a que o autor, com seu característico humor, reduz a uma fama de 15 minutos. Quem o acompanha desde a estréia, com Liturgia da matéria, seguida de Mínima lírica e Trovar claro, quatro livros só, ao longo de 22 anos, saberá que Macau não é um acaso, um lance de dados. Sim haverá quem rejeite aspectos “perecíveis” em sua poética, tais os referidos acima, como sejam falas no limiar da prosa, ou dentro dela, a gíria ocasional, certo gosto pelo corte “popular” abrupto num momento, digamos, “delicado”, como os “putos” anjos do poema transcrito. PHB tem antecedentes (Murilo, Drummond) e direito adquirido para transgredir como queira. Se tais aspectos, que já li condenados por mais de um crítico, são traço de época ou de autor, o tempo dirá. (Não conheço poeta cem por cento puro...) O que PHB nos traz é personalidade, moeda rara, e coerência, e a capacidade de nos fazer solidários com sua dor, que não tem dono, e com seu humor, ai, tão necessário.
(...)