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19 de maio de 2008

Maíra (Darcy Ribeiro)_trechos selecionados

Maíra (Darcy Ribeiro)

Morte de Anacã:

“No vasto mundo dos poucos mairuns viventes e dos muitos que viveram e morreram, corre a notícia. O tuxaua Anacã decidiu que nesta noite dos vivos ele deitará para dormir, como sempre, mas só acordará de madrugada, morto-vivo, no fim do dia dos mortos, para ver a luz do sol negro iluminando”. (p.38)

“As rajadas de vento não lavam o ar, apenas revolvem a catinga e a devolvem concentrada. Nunca Anacã, o tuxaua, esteve tão presente e dominador”.(p.67)

“Anacã morre para que os mairuns renasçam. Simultaneamente se vão dissolvendo na morte suas carnes regadas cada dia e renascendo seu povo nos ritos que reacendem em cada um o gosto de comer, a alegria de cantar, o prazer de dançar, a coragem de ousar, o gozo de foder”(p.99)

Major Nonato dos Anjos sobre Alma e os índios:

“Habituados com suas mulheres que parem como cachorros ou animais selvagens, não deram qualquer atenção especial ao parto dessa mulher branca e civilizada (apesar de extravagante) que estava no meio deles. Ela, vendo-se sozinha, numa praia, com as dores do parto que podem ter sobrevindo de repente, não teria resistido. Foi vítima de sua própria afoiteza em meter-se, aventurosamente, por essas matas e aqui deixar-se prenhar” (p.226)

Alma sobre Isaías:

“Ele é triste, feio e triste, coitado. Nunca pensaria que fosse índio. Nem imaginava um índio assim de franzino. A única coisa viva nele é o olhar aceso. Parece calmo, quando fala, mas é controle. É defesa. Na verdade é um desesperado que nem eu. Não, é um desenganado. E daí? Desenganado ou desesperado, dá no mesmo.”(p.137)

Isaías:

“A verdade está, porém, com o padre Ceschiatti: minha virtude é negativa. Mais filha da fraqueza que da força. (...) Não sou, nunca fui nem serei jamais Isaías. A única palavra de Deus que sairá de mim, queimando a minha boca, é que sou Avá, o tuxauarã [herdeiro da chefia de guerra dos mairuns por via matrilinear], e que só me devo a minha gente Jaguar da minha nação Mairum”. (p.43-45)

“Não sou inocente. Não sou culpado. Sou um equívoco.(...) Fui a ovelha do Senhor. Volto tosquiado: sem glória sacerdotal, sem santidade, sem sabedoria, sem nada”. (p.76)

“Sou o outro em busca do um. Sou o que resulto ser, ainda, nesta luta por refazer os caminhos que me desfizeram”.(p.107)

“Estou seco, meu Pai, como a fonte que secou sozinha no deserto, sem matar nenhuma sede. Tu renunciaste a mim. Eu também renuncio a ti. Minha vergonha, antes, era meu orgulho: pensava que conduzia no peito, como um luzeiro, a Tua marca. Sabia que a conduzia. Meu orgulho agora é minha vergonha: é saber que sempre estive vazio de ti, porque esta é a Tua vontade. (...) Eu era a minha obra. Agora sei que era uma moeda falsa. Minha santidade era uma vaidade.

Maíra : Remui

“O Avá veio e não veio. Este que veio é e não é o verdadeiro Avá. (...) Este é o que restou de meu filho Avá, depois que os pajés-sacacas mais poderosos dos caraíbas roubaram sua alma. Ele anda por aí, meio dormindo, perdido para si, perdido para nós. Atrás dos seus olhos está a névoa, a cegueira dos que já não têm alma para morrer. Ele não é mais um vivente mortal, como nós. (...)

Nós, os mairuns, estamos acabando. Conosco acaba Maíra-Monan, Mairahú, Maíra-Ambir o nosso Criador. Quem começou tudo isso foi mesmo Maíra-Coraci.(...) Quem sabe o Velho, o Sem-nome, manda outro arroto dele, para entrar em alguma Mosaingar? Aí, nasceriam outra vez os filhos gêmeos do Senhor, para começar tudo de novo”(p.258).”

Alma :

“Que será este meu filho ou esta minha filha? Será mairum como eu quero que seja? Será um branco, um caraíba, no sentido de civilizado e de cristão, como eu fui, como eu era, como ainda sou, apesar de mim? (...) Aqui um filho pertence à mãe. É do clã da mãe. Respeitará ao tio, nunca ao pai. Este meu filho, por isso, apesar de tão mairum que é, é um filho meu, do clã que não tenho. (...) Mas é muito ruim para uma pessoa ser apenas um pouco alguma coisa. Fica dependurada entre dois mundos, como este pobre Isaías, ou como eu mesma” (p.328)

“O mal de Isaías é ser ambíguo. Ser e não ser. Não é índio, nem cristão. Não é homem, nem deixa de ser, coitado. Ser dois é não ser nenhum, ninguém”. (p.346)

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