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2 de junho de 2008

A HORA DA ESTRELA_Clarice Lispector_TRECHOS ESCOLHIDOS E QUESTÕES

A HORA DA ESTRELA (CLARICE LISPECTOR)

A CULPA E MINHA

OU

A HORA DA ESTRELA

OU

ELA QUE SE ARRANJE

OU

O DIREITO AO GRITO

QUANTO AO FUTURO

OU

LAMENTO DE UM BLUE

OU

ELA NAO SABE GRITAR

OU

UMA SENSAÇÃO DE PERDA

OU

ASSOVIO NO VENTO ESCURO

OU

EU NÃO POSSO FAZER NADA

OU

REGISTRO DOS FATOS ANTECEDENTES

OU

HISTÓRIA LACRIMOGENICA DE CORDEL

OU

SAIDA DISCRETA PELA PORTA DOS FUNDOS

Reflexões metalingüísticas e metafísicas do narrador (Rodrigo S.M.)

Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o que, mas sei que o universo jamais começou.

Trata-se de um livro inacabado porque lhe falta a resposta.

Como é que sei tudo o que vai se seguir e que ainda o desconheço, já que nunca o vivi? É que numa rua do Rio de Janeiro peguei no ar de relance o sentimento de perdição no rosto de uma moça nordestina. Sem falar que eu em menino me criei no Nordeste. Também sei das coisas por estar vivendo. Quem vive sabe, mesmo sem saber que sabe.

O que escrevo é mais do que invenção, é minha obrigação contar sobre essa moça entre milhares delas. E dever meu, nem que seja de pouca arte, o de revelar-lhe a vida.

Porque há o direito ao grito.

(...) limito-me a contar as fracas aventuras de uma moça numa cidade toda feita contra ela.

Juro que este livro é feito sem palavras. É uma fotografia muda. Este livro é um silêncio. Este livro é uma pergunta.

O fato é que tenho nas minhas mãos um destino e no entanto não me sinto com o poder de livremente inventar: sigo uma oculta linha fatal. Sou obrigado a procurar uma verdade que me ultrapassa.

Macabéa

Quero antes afiançar que essa moça não se conhece senão através de ir vivendo à toa. Se tivesse a tolice de se perguntar “quem sou eu?” cairia estatelada e em cheio no chão. É que “quem sou eu?” provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.

Só eu, seu autor, a amo. Sofro por ela. E só eu é que posso dizer assim: “que é que você me pede chorando eu não lhe dê cantando?” Essa moça não sabia que ela era o que era, assim como um cachorro não sabe que é cachorro. Daí não se sentir infeliz.

(...) na certa morreria um dia como se antes tivesse estudado de cor a representação do papel de estrela. Pois na hora da morte a pessoa se torna brilhante estrela de cinema, é o instante de glória de cada um e é quando como no canto coral se ouvem agudos sibilantes.

Ela era subterrânea e nunca tinha tido floração. Minto: ela era capim.

Teria ela a sensação de que vivia para nada? Nem posso saber, mas acho que não. Só uma vez se fez uma trágica pergunta: quem sou eu? Assustou-se tanto que parou completamente de pensar.

(...) através dessa jovem dou o meu grito de horror à vida. À vida que tanto amo.

E quando acordava ? Quando acordava não sabia mais quem era. Só depois é que pensava com satisfação: sou datilógrafa e virgem, e gosto de coca-cola. Só então vestia-se de si mesma, passava o resto do dia representando com obediência o papel de ser.

Ela sabia o que era o desejo — embora não soubesse que o sabia. Era assim: ficava faminta mas não de comida, era um gosto meio doloroso que subia do baixo-ventre e arrepiava o bico dos seios e os braços vazios sem abraço. Tornava-se toda dramática e viver doía. Ficava então meio nervosa e Glória lhe dava água com açúcar.

Macabéa, ao contrário de Olímpio, era fruto de ‘o quê’ com ‘o quê’. Na verdade ela parecia ter nascido de uma idéia vaga qualquer dos pais famintos.

Por enquanto Macabéa não passava de um vago sentimento nos paralelepípedos sujos. Eu poderia deixá-la na rua e simplesmente não acabar a história. Mas não: irei até onde o ar termina, irei até onde a grande ventania se solta uivando, irei até onde o vácuo faz uma curva, irei aonde meu fôlego me levar. Meu fôlego me leva a Deus? Estou tão puro que nada sei. Só uma coisa eu sei: não preciso ter piedade de Deus. Ou preciso?

Tanto estava viva que se mexeu devagar e acomodou o corpo em posição fetal. Grotesca como sempre fora. Aquela relutância em ceder, mas aquela vontade do grande abraço. Ela se abraçava a si mesma com vontade do doce nada. Era uma maldita e não sabia. Agarrava-se a um fiapo de consciência e repetia mentalmente sem cessar: eu sou, eu sou, eu sou. Quem era, é que não sabia. Fora buscar no próprio profundo e negro âmbito de si mesma o sopro de vida que Deus nos dá.

FINAL / QUESTÃO

Até tu, Brutus?!

Sim, foi este o modo como eu quis anunciar que — que Macabéa morreu. Vencera o Príncipe das Trevas. Enfim a coroação. Qual foi a verdade de minha Maca? Basta descobrir a verdade que ela logo já não é mais: passou o momento. Pergunto: o que é? Resposta: não é. Mas que não se lamentem os mortos: eles sabem o que fazem. Eu estive na terra dos mortos e depois do terror tão negro ressurgi em perdão. Sou inocente! Não me consumam! Não sou vendável! Ai de mim, todo na perdição e é como se a grande culpa fosse minha. Quero que me lavem as mãos e os pés e depois — depois que os untem com óleos santos de tanto perfume. Ah que vontade de alegria. Estou agora me esforçando para rir em grande gargalhada. Mas não sei por que não rio. A morte é um encontro consigo. Deitada, morta, era tão grande como um cavalo morto. O melhor negócio é ainda o seguinte: não morrer, pois morrer é insuficiente, não me completa, eu que tanto preciso. Macabéa me matou.

Ela estava enfim livre de si e de nós. Não vos assusteis, morrer é um instante, passa logo, eu sei porque acabo de morrer com a moça. Desculpai-me esta morte. É que não pude evitá-la, a gente aceita tudo porque já beijou a parede. Mas eis que de repente sinto o meu último esgar de revolta e uivo: o morticínio dos pombos!!! Viver é luxo.

Pronto, passou.

Morta, os sinos badalavam mas sem que seus bronzes lhes dessem som. Agora entendo esta história. Ela é a iminência que há nos sinos que quase-quase badalam. A grandeza de cada um.

Silêncio.

Se um dia Deus vier à terra haverá silêncio grande.

O silêncio é tal que nem o pensamento pensa.

O final foi bastante grandiloqüente para a vossa necessidade? Morrendo ela virou ar. Ar enérgico? Não sei. Morreu em um instante. O instante é aquele átimo de tempo em que o pneu do carro correndo em alta velocidade toca no chão e depois não toca mais e depois toca de novo. Etc. etc. etc. No fundo ela não passara de uma caixinha de música meio desafinada. Eu vos pergunto:

— Qual é o peso da luz?

E agora — agora só me resta acender um cigarro e ir para casa. Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre. Mas — mas eu também?!

Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos.

Sim.

* Todos os trechos a seguir são exemplos de momentos em que o leitor é explicitamente convocado ou tomado pelo narrador, EXCETO:

a) Qual foi a verdade de minha Maca?

b) Não me consumam!

c) Ar enérgico?

d) Mas – mas eu também?

* Leia os trechos a seguir:

I. Até tu, Brutus?

II. Quero que me lavem as mãos e os pés e depois – depois que os untem com óleos santos de tanto perfume.

III. Desculpai-me esta morte.

Há exemplo de referência intertextual em:

a) apenas I.

b) apenas II.

c) I e II.

d) II e III.

1)Sobre o romance A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, a afirmativa INCORRETA é:

a) A voz narrativa usa de ironia para satirizar a literatura tradicional.

b) O narrador Rodrigo S.M. faz freqüentes reflexões metalingüísticas.

c) A invisibilidade social é bastante abordada no livro, principalmente através da personagem Macabéa.

d) A protagonista é Macabéa, uma nordestina, ingênua, que consegue ascender socialmente graças a uma grande oportunidade de trabalho.

2) Em A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, o narrador Rodrigo S.M. faz várias reflexões a respeito de si mesmo e do trabalho literário. Todas as passagens são exemplos dos autoquestionamentos metalingüísticos produzidos pelo narrador, EXCETO:

a) “Assim é que experimentarei contra os meus hábitos uma história com começo, meio e ‘gran finale’ seguido de silêncio e de chuva caindo.”

b) “Desculpai-me mas vou continuar a falar de mim que sou meu desconhecido, e ao escrever me surpreendo um pouco pois descobri que tenho um destino.”

c) “E quando acordava? Quando acordava não sabia mais quem era. Só depois é que pensava com satisfação: sou datilógrafa e virgem, e gosto de coca-cola.”

d) “Afianço-vos que se eu pudesse melhoraria as coisas. Eu bem sei que dizer que a datilógrafa tem o corpo cariado é um dizer de brutalidade pior que qualquer palavrão.”

3) NÃO se pode afirmar sobre enredo de A hora da estrela, de Clarice Lispector:

a) Macabéa fora criada com a tia, que a maltratava e humilhava.

b) Olímpico se apaixona por Macabéa, mas acaba namorando Glória, acreditando nas mentiras que esta contava sobre a nordestina.

c) É Glória quem incentiva a ida de Macabéa à cartomante, que lhe faz previsões duvidosas.

d) A Rádio Relógio encantava Macabéa, que a ouvia todas as madrugadas no rádio emprestado pela colega de quarto.

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