Paraísos artificiais, de Paulo Henriques Britto
O livro Paraísos artificiais, de Paulo Henriques Britto, publicado em 2004, título poético, por remeter aos Paraísos artificiais (escritos sobre o ópio, o haxixe e o vinho) de Charles Baudelaire, reúne nove contos, a maior parte escrita nos anos 70 e reescrita ao longo das últimas décadas. A obra é resultado de obsessão e, também, depuração. Britto diz ter escrito cerca de 30 contos durante o ano e meio (entre 1972 e 73) que passou
“- Como nasceu o seu primeiro livro de contos, Paraísos artificiais (a ser lançado até o fim do ano pela Companhia das Letras)?
- No início dos anos 70, fui estudar cinema na Califórnia, mas o que mais fiz foi escrever contos. Larguei o curso, voltei ao Brasil e continuei a trabalhar naqueles contos. Desde então, escrevi mais três, o último no ano passado. É o mais longo do livro. Não há fio condutor, unidade temática ou estilística.”(BRITTO) (?)
Os contos contidos neste livro capturam sempre situações extremas - que podem ser uma doença sem nome ou um mero ônibus errado - e encontros embaraçosos, quase sempre do protagonista consigo mesmo. As narrativas conduzem seus protagonistas e narradores a visões nuas e dolorosas de si mesmos: mais alheios, mais tortuosos, mais covardes do que gostariam de ser.
Possíveis influências literárias
- Samuel Beckett: a solidão do homem, o teatro do absurdo, a imobilidade tipicamente beckettiana
- Franz Kafka: clima sufocante dos contos, conseqüências inesperadas e absurdas, o próprio absurdo da existência
- Contos solipsistas: vida ou conjunto dos hábitos de um indivíduo solitário
- A escrita dos narradores como saída para a inércia
- A convivência nitidamente desconfortável entre as personagens
- Vários personagens dos contos recorrem ao ato da escrita para encontrar seus supostos “paraísos artificiais”
- Diálogos verossímeis e prosaicos, através do uso da coloquialidade, aliada a presença constante da ironia e da auto-crítica
- Os contos são repletos de tensão narrativa, mas o clímax muitas vezes não se encontra no final, já que os desfechos são frequentemente prosaicos e propositalmente frustrantes: cabe ao leitor, muitas vezes, “completar” o final das narrativas
- Os finais sempre ficam em aberto, pois não há uma solução definida e definitiva para os conflitos, tramas e obsessões das personagens expostos nas narrativas
- A narração em 1ª pessoa, presente em 8 dos 9 contos do livro, auxilia esse caráter parcial, limitado e incompleto dos textos, que propositalmente “frusta” as expectativas do leitor. Esse “jogo” com o interlocutor é característico da literatura contemporânea, que questiona as verdades totalizantes e a definição clara e exata da realidade.
- Situações kafkianas: as personagens encontram-se em situações desesperadoras ou inquietantes, ficam perturbadas pela falta de motivos aparentes para elas e não possuem saída ou escape. Fazem questionamentos e cogitações sem, no entanto, chegar a conclusão alguma.
Os paraísos artificiais
- Percepção e sensibilidade para apurar a existência através da reflexão literária
- Modificação das percepções = artificial, mas verdadeira e verossímil
- Paraíso: o escritor como um demiurgo
- Finitude do ser X perenidade do texto literário
- Reflexões prosaicas sobre o incômodo e o desprazer, e a busca do alívio momentâneo = Literatura
Uma doença
- Desenho de mapas que representassem todas as superfícies ao alcance da vista do narrador
- O narrador passa todo o tempo deitado, analisando curvas, manchas, rachaduras e acidentes geográficos de paredes, tetos, chãos e até do seu lençol.
- “Além disso, a rachadura estava me entediando, por ser um fenômeno demasiado previsível. Então resolvi escrever este breve relato”. Então = por isso ou portanto ? causa e conseqüência ou conclusão ?
- Inevitabilidade da morte
- Rachadura: decomposição, estilhaçamento, ruptura, quebra, desestruturação
Uma visita
- Questão do duplo (POE):
1) narrador que está no 3° andar
2) narrador que está embaixo e pede a chave
Onde o narrador se encontra afinal?
- Desencontro entre os iguais: ambos não se reconhecem, ambos inexistem em suas posições, ambos são sujeitos determinados, ambos desaparecem = ambos não conseguem se distinguir nitidamente, mas encontram no outro traços identificáveis
Um criminoso
- Quem é afinal o criminoso? O voyer paranóico ou as pessoas de fora do apartamento que ele observa
- “O copo escorrega da minha mão e se espatifa, à toa , à toa.” = a trana, a história frágil
- Ditados: uso do senso comum, hipóteses falhas
- Frustração das expectativas do narrador e do leitor
O companheiro de quarto
- Através do discurso simplório, cruel e invejoso do narrador-personagem, percebe-se um mundo de transtornados: do sádico narrador ao inocente companheiro de quarto.
- sexualidade ambígua? = a heterossexualidade de superfície provavelmente convivendo com, ou encobrindo, a homossexualidade de fundo
- pintura da condição social de uma juventude de problemática inserção no mundo urbano, que divide apartamento e atrasa aluguel.
- A planta representa o desconhecido, a fascinação e , ao mesmo tempo, o incômodo
- O estoicismo do companheiro de quarto desconhecido remete à natureza da planta
- A beleza do desconhecido e da planta fazem o narrador se lembrar de sua miséria e amargura íntimas
- Dificuldade de lidar com o desabrochar e o perfume da flor: dificuldade da relação com o outro porque, especularmente, ele reflete a insegurança, o desamparo e a solidão do narrador
Coisa de família
- Incômodo gerado num estrangeiro, longe de sua terra, ao passar o Natal com uma família calada, cujas falas são reticentes
- Desconforto e constrangimento em estar junto aos problemas alheios, sem conseguir saber quais são
- Título remete a uma generalização dos problemas familiares
O 921
- clima policial que mostra um sujeito afogado em uma sucessão de equívocos = ônibus 488 e 921
- o ônibus 921 e o Dr. Lustosa = “fantasmas” = ambos ao mesmo tempo existem e inexistem, são citados e vistos, mas não conhecidos
- tanto o velho quanto os policiais levam o narrador para lugares distantes e afastados de seu destino desejado
- tanto o velho quanto o narrador se utilizam da figura do Dr. Lustosa como “proteção”
- o narrador é uma “vítima inocente” da ironia do destino = situação kafkiana
O primo
- Narrado em 3ª pessoa
- Cachorro: Kafka
- Ivan vem do interior para estudar num colégio interno de padres.
- Seu incômodo deriva de sua resistência e de sua postura de defesa para com os amigos do primo Reginaldo, mal falado pela família = insegurança de Ivan ao chegar numa cidade desconhecida, em busca de liberdade
- “Aqui ninguém é de ninguém, (...) E todo mundo é de todo mundo” / “Sei lá. Só sei que eu não sou de ninguém”.
- Antipatia mútua: ambos eram os “rejeitados” pela família, arrogantes e pretensamente independentes
- Início da nova vida no Rio: ao invés de apoio, Ivã encontra um ambiente sufocante, com regras próprias e situações embaraçosas
Os Sonetos Negros
Personagens:
- Tânia (narradora-personagem)
Matilde Fortes: escritora dos “Sonetos Negros, objeto de estudo de Tânia - Gastão Fortes: marido de Matilde, com quem Tânia travará contato,
- Clemenceau: técnico de informática da pequena São Dimas
- Dona Aspásia: empregada de Gastão
- Ercila: orientadora da tese de Doutorado de Tânia
- Leandra: protegida de Ercila, também escreve sobre Matilde, mas a partir de uma perspectiva feminista
- Sérgio: ex-namorado de Tânia, que lhe manda e-mails
- Olavo: gerente do hotel de São Dimas
- pesquisa sobre “Os sonetos negros” de Matilde Fortes = Farsa literária, "diário" de uma viagem de iniciação, de um desencontro que põe em xeque as certezas do politicamente correto e expõe uma jovem doutoranda às surpresas que a vida e a literatura não param de tramar
- Através da relação entre a narradora, Tânia, e sua orientadora, Ercila, e da menção à tese e à pessoa de Leandra, também protegida por sua orientadora, expõe-se cruelmente os vícios e as hostilidades, os aborrecimentos e as peculiaridades negativas típicos do mundo da pesquisa acadêmica literária, como o pedantismo da criação de termos analíticos para a literatura ("matildeana", "clitoricêntrica", “escritura”).
- No início, o objetivo da narradora é apenas checar os manuscritos originais da Poesia Reunida de Matilde e, através do cotejamento entre as primeiras edições e as atuais, estabelecer uma edição crítica da grande poeta Matilde Fortes, na verdade, provavelmente uma poetisa fictícia.
- Acaba tendo longas conversas com o viúvo de Matilde, Gastão Fortes, e descobre nos manuscritos que ele lhe entrega, por estar à beira da morte, algo que no início parece confirmar certas leituras feministas da obra: Matilde teria escrito os sonetos para uma mulher, pois as palavras estavam trocadas — ao invés de destinados a um homem, seriam destinados a uma mulher. Aparentemente, a poetisa se encaixaria numa “tradição” de poesia de poesia lésbica (verso sáfico: tônicas nas posições 4, 8 e 10).
- há um desfecho inesperado: os poemas haviam sido escritos pelo marido, Gastão, não pela literariamente ambiciosa e arrogante Matilde. A novela, muito bem humorada, usa parodisticamente os mecanismos do conto policial, e é uma sátira aos costumes acadêmicos e literários nacionais.
- Final : implicações acadêmicas e pessoais da “descoberta” da farsa literária = ironia e metalinguagem = FRAUDES LITERÁRIAS
- Vargem dos Índios, São Dimas (lugares fictícios?): panorama desconsolado e crítico do interior brasileiro
- São Dimas: padroeiro dos ladrões, estelionatários, falsários e criminosos em geral
· As Canções de Bilitis foi publicado em 1894 e causou um grande alvoroço na Europa. Os poemas do livro, de autoria de uma tal de Bilitis - que seria uma contemporânea de Safo, nascida na mesma Lesbos - fizeram um sucesso estrondoso. Para se ter uma idéia, Debussy chegou a musicar três dos poemas do livro. Helenistas de toda a Europa correram para estudar a grande descoberta feita pelo escritor Pierre Louÿs que, além de traduzir os poemas do grego, escreveu o prefácio que contava um pouco da história da poetisa lésbica.
O livro vendeu horrores na virada do século e continuou vendendo bem nos anos seguintes. Mas em 1925, um pouco antes de morrer, Louÿs fez uma revelação prá lá de bombástica: os poemas eram de autoria dele próprio e a tal de Bilitis nunca existira de fato. A polêmica estava instaurada - os helenistas que haviam autenticado a descoberta ficaram sem ter onde enfiar a cara e Louÿs, cuja carreira já não ia bem das pernas, foi completamente ridicularizado. A farsa que Louÿs conseguiu sustentar por quase 30 anos, uma brincadeira bastante espirituosa, não foi entendida pelo círculo literário francês. Uma pena pois, a despeito de seu caráter farsesco, As Canções de Bilitis reúne alguns dos poemas lésbicos mais sensuais jamais escritos por um homem (à maneira de Safo) e influenciaram várias gerações de escritoras. (http://mixbrasil.uol.com.br/cio/cio20000/bolacha.htm)
- Paulo Henriques Britto, professor de pós-graduação da PUC do Rio de Janeiro, diz:
"O que me incomoda muito no meio acadêmico é a politização do fenômeno literário. Nada contra a correção política, mas por que ver os escritores como gays, negros, mulheres antes de vê-los como escritores? As pessoas importam discussões norte-americanas sem adaptá-las para cá".
“ (...)sem um pouco de ironia fica difícil conviver com qualquer ambiente de trabalho, não é? Creio que o mundo acadêmico, sob esse aspecto, não é melhor nem pior do que nenhum outro. (...)Não vejo a minha posição como contrária à academia, e sim como diferente da que é defendida por muitos (mas não todos) acadêmicos da área de tradução. Talvez essa minha oposição a autores muito influentes, como Fish e Derrida, e a uma tendência, difundida na área de Letras, a escrever de um modo um tanto, digamos, rebuscado (para não dizer ininteligível), tenha me levado a adotar uma visão irônica. Mas não tenho nenhum preconceito contra a academia, contra a crítica universitária. Temos um bom número de críticos universitários que fazem leituras interessantes de obras literárias, se bem que — verdade seja dita — muito mais no campo da ficção do que no da poesia.”
2 comentários:
AMEI A FORMAS COMO OS TEMAS FORAM ABRODADOS NO LIVRO...UMA MANEIRA COMPREENSIVA E HUMANISTICA TROUXE A TONA QUESTÕES DE UM EU UNIVERSALIZADO NOS PERSONAGENS...SIMPLISMENTE BRILHANTE...
VALEU BRITTO POR VC EXISTIR...
CRIEI UMA COMUNIDADE RECENTEMENTE NO ORKUT PARA PROPAGAR OS CONTOS DO SEU LIVRO E PERMITIR MAIORES COMENTÁRIOS.
ADSUMOS.
HÁ E A COMUNIDADE TEM O NOME DA SUA OBRA (PARAÍSOS ARTIFICIAIS).
Como consigo o resumo completo livrot através da internet?
Postar um comentário